domingo, 13 de julho de 2025

HIDELBRANDO DOS SANTOS IV: do balcão da mercearia para a cadeira de reitor

Por Gabriela Almeida, texto, e Fernanda Barros, foto (Jornalistas, de O Povo)

OP- Metódico?

Hidelbrando - Metódico também. Resultado, eu ganhei fama de ser um bom gestor. Aí pronto, quando eu ganhei fama de ser um bom gestor, tomei gosto para esse negócio de ser diretor. Aí vamos pra segunda eleição. (Entre concorrentes) Tinha o pessoal da região e tinha o pessoal de Fortaleza. O pessoal da região era muito ligado ao poder local e esse pessoal perdeu a eleição para mim.

O nosso pessoal achava que se não fosse eu, podia ter uma chance de eles voltarem. E para não voltarem, eu fui novamente para a eleição. Ganhei, não teve nem concorrência. Eu concorri sozinho. Primeiro mandato a disputa acirrada, o segundo mandato ninguém se candidatou. Novamente, continuei fazendo aquilo que eu sabia fazer, deu tudo certo, as coisas caminhavam, melhoravam.

Quando chega ali por volta de 2008, eu vou para a reeleição e aí coincide com eleição para a reitoria daqui (de Fortaleza). Eu sou procurado pelo movimento sindical, (porque) o pessoal me identificava como uma pessoa da esquerda e do movimento sindical. Eles queriam um candidato do sindicato.

E tinha já uma candidata, que era a professora Leda, que tinha sido presidente do sindicato. Me convidaram para ser candidato a vice-reitor. Eu passei a gostar de fazer gestão, eu me encontrei com esse negócio, eu gosto de fazer isso.

Eu vou para essa eleição, assim mais para contribuir com o movimento sindical e tudo mais. E nós disputamos essa eleição, a Leda é a terceira colocada de uma disputa de cinco chapas. A nossa diferença do segundo lugar é de um voto.

Volto pra minha vida de diretor, quando dá ali por volta de 2012, eu sou procurado pelo Jackson Sampaio. Foi lá para conversar comigo. Ele chega para mim lá na sala, falou: "Professor, vim aqui para fazer o convite irrecusável". Está certo, professor Jackson.

Ele disse "rapaz, olha, eu faço parte de uma geração que tá se aposentando ou morrendo. A gente precisa de uma nova geração de gestores. E eu vejo você uma pessoa que pode ser uma dessas pessoas que vão fazer essa transição. Eu quero passar o bastão para você. Eu quero saber se você quer ser meu vice-reitor".

Como eu vinha de um movimento político, eu entendia que aquela decisão não era só minha, pessoal. Aí chamei o grupo.

Metade do grupo era contra, metade era a favor. Fomos para a assembleia e o resultado foi por um ou dois votos de diferença, a favor da coligação. Isso fez com que metade do pessoal que estava comigo até então me deixasse de mão, não continuaram com a gente. Porque achavam que era uma traição a toda a história política da gente e tudo mais. Mas parte do grupo disse: "Sim, vamos lá, tu tem que aprender".

Fomos para a eleição, ganhamos tranquilamente a primeira eleição, agora uma eleição muito concorrida. Vamos para a reeleição, eu como vice novamente. Lá no segundo mandato, eu já tinha tomado a decisão de que a gente ia se apresentar como candidato (a reitor).

Em 2021, nos apresentamos, uma eleição também muito disputada, mas ganhamos bem a eleição. Foi assim que eu cheguei a ser reitor. Ou seja, eu não entro na universidade com intenção de entrar na vida política, nunca pensei nisso...

OP- É algo que aconteceu?

Hidelbrando - Te digo com todo coração assim puro, que eu possa ter, a parte pura do meu coração. Quando eu entrei na universidade a única coisa que eu pensei na minha vida era ter uma vida acadêmica bacana. Uma boa produção acadêmica, ser um professor legal, bacana, reconhecido.

Tudo isso eu pensei, mas ser diretor de faculdade, nunca pensei. Fui pelas circunstâncias que acabaram me envolvendo. E como eu tenho na família um pai que foi político, embora um político mais de fazer as coisas do que de falar.

Talvez essa ideia de entrar na política, mesmo sendo a política universitária, tem a ver um pouquinho com essa minha experiência lá acompanhando ele também na vida partidária.

Meu pai nunca gostava de andar sozinho. Se ele ia fazer uma viagem, não gostava de ir sozinho. Levava alguém. Eu era o auxiliar ali dele. Eu acompanhei muito a vida política dele também, né?

Talvez isso possa ter sido um elemento que me influenciou a dizer: "Não, tudo bem, eu vou entrar nesse negócio. Eu vou me candidatar porque vocês estão me cobrando, estão me exigindo, vocês acham que eu tenho algum talento, eu vou lá e vou ver o que é que acontece".

Então, eu chego à reitoria por uma via que não é aquela em que você se projeta. É aquela que a vida te atropela. Então, eu fui atropelado por essa conjuntura que disse: "Não, você é a pessoa que deve assumir esse negócio". Aí depois você vai pegando gosto. Vai pegando o gosto pela gestão.

Eu sou o primeiro reitor do Interior. Primeiro reitor do interior da Universidade estadual. Sou o primeiro reitor que não vem do grupo originário de reitores ao longo de quase três décadas. (Havia uma) hegemonia muito forte aqui. Então eu apareço como uma novidade.

OP- O senhor também é o primeiro reitor negro da instituição, o que acredita que isso trouxe de representatividade?

Hidelbrando - Eu acho que a coisa mais significativa é a gente começar como comunidade a refletir sobre a questão mesmo racial na universidade.

A gente começa a fazer mudanças também do ponto de vista institucional dentro da universidade, ou provocada pela lei ou provocada pelos movimentos internos da própria universidade. Ou seja, a questão do estabelecimento dentro da universidade, de um núcleo que faz todo acompanhamento da política étnico-racial dentro da universidade.

A preocupação que a gente tem, de que a gente possa garantir para os meninos, para as meninas que efetivamente são beneficiadas pela política de cotas sociais, que possam de fato ter sua vaga garantida.

Mas eu acho que o grande impacto disso também é para nossa população negra dentro da universidade. Eu acho que isso também tem uma relação de dimensão política muito significativa.

A nossa relação com a guarda...a guarda sabendo que o menino negro que entra aqui, ele não pode ser barrado só porque ele é negro, porque o reitor é negro. Aí, tu vai fazer a mesma coisa com o cara, pô?

Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/07/25. Páginas Azuis. p.4-5.

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