Por
Romeu Duarte Junior (*)
Ninguém gostava dele. Desde criança as
pessoas lhe viravam as costas. Seus pais nunca lhe tiveram a menor
consideração. Deles só recebeu carões, violências diversas e desprezo. Jamais
conheceu sentimentos tais como amor, respeito, carinho e cuidado. Nunca uma
mulher o acolhera com ardor. Até as prostitutas, que ele amiúde comprava, lhe
tinham asco. Não que fosse feio, imundo ou canalha: o problema é que não havia
uma alma que simpatizasse com ele. Quando tentava ser agradável, aí é que as
coisas pioravam. Falso era o adjetivo mais brando que lhe devotavam. Nas muitas
noites passadas em claro, no quarto do pequeno apartamento onde morava, uma
pergunta ressoava em sua mente: "Por quê?". A primeira luz de cada
dia era mais uma rude chicotada.
No trabalho, mesmo sendo assíduo, correto e
honesto, era invisível. Ninguém reconhecia o que fazia, ninguém lhe dava
qualquer mérito. Como um para-raios, as reclamações e admoestações choviam-lhe
sobre a cabeça cada vez mais calva. O cafezinho chegava-lhe sempre frio, sinal
do seu desprestígio. No ônibus, no supermercado, no cinema, nos lugares onde
procurava aplacar sua dor em troca de dinheiro, era frequentemente humilhado:
"Ainda usa grana, mané?", "O senhor não tem cartão nem pix? A fila
está aumentando por sua causa!", "Vai embora, coroa, vai atazanar o
cão!". Na Cidade da Criança, onde brincara sem amigos na infância, os
pombos lhe evitavam, mesmo ele jogando pipocas para eles. Ao chegar em casa, só
boletos e nenhuma mensagem de alguém. O vazio.
Imaginando que a sua droga de vida tivesse
como causa um pecado que ele mesmo desconhecia, foi à igreja se confessar. Em
quase uma hora, contou toda a sua triste existência, o rosto contrito de olhos
fechados pregado à grade de madeira. Por fim, perguntou ao padre qual seria a
sua penitência. Repetiu a pergunta mais duas vezes. Súbito, descobriu que o seu
confessor dormia a sono solto no confessionário. "Nem Deus quer conversa
comigo", pensou de si para consigo. Levantou-se do genuflexório e foi se
sentar em um dos bancos da nave principal. O Cristo pregado na cruz, os santos
e santas em seus pedestais não tinham para si o ar compassivo e amoroso de quem
se espera algum socorro, mas o aspecto duro e austero de quem escolhe alguém
para ir ao inferno. Amém.
Como não fazia falta a ninguém, não havendo
quem se importasse com ele, no caminho de volta ao seu humilde lar, teve uma
ideia: poria um desfecho aos seus dias. "Cansado de ser tratado como um
cão, de comer diariamente o pão que o diabo amassou, de não merecer um olhar,
uma palavra, um gesto a não ser o desapreço, o que me resta senão isso?",
ruminou. Em casa, preparou a carta de despedida, carregada de lamentações, e
catou o revólver no fundo da prateleira alta do armário embutido. Nunca o usara,
nem esportivamente. "Este é o meu passaporte para a felicidade",
pensou, "Sei que a minha morte não será chorada por ninguém e esta será a
minha vingança". Encostou o cano da arma contra a têmpora. Apertou o
gatilho. Bateu catolé. "Lai vai, nem a morte gosta de mim...".
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 9/06/25. Vida & Arte. p.2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário