Por Patrícia Soares de Sá Cavalcante (*)
Quando eu era pequena, tive um sonho. Vi
meu avô Ari caminhando entre outras pessoas na rua. Ele não me via. Senti uma
alegria imensa, mas também o receio de não encontrá-lo novamente. Era urgente
contar ao papai que ele estava vivo.
Meu avô morreu antes de eu nascer. Cresci
sabendo que era possível perder cedo demais alguém muito importante. Isso me
angustiava. Por outro lado - talvez pela ausência precoce do meu avô - ganhei
um pai amoroso, cuidadoso, que nos transmitiu o gosto e o valor da intimidade.
Embora não o tenha conhecido, o vovô sempre
esteve presente em nossa mesa. Papai, um exímio contador de histórias, fez-nos
imaginá-lo vividamente: um homem inteligente, culto, à frente de seu tempo,
irônico, dedicado à família e extremamente corajoso.
Já adulta, numa tarde na Livraria da Vila,
em São Paulo, tomávamos café quando papai me contou algo que eu não sabia:
- Minha filha, depois que o papai morreu,
sempre que eu tinha alguma dúvida em um momento difícil, eu sonhava com ele. No
sonho, ele me dava a solução. Depois, continuei a sonhar, mas ele já não falava
nada. Com o tempo, deixei de sonhar.
Ah, como eu queria sonhar com ele de novo!
- disse, rindo emocionado. Não sei se percebeu a minha comoção. Aquilo me
atravessou: por um instante, senti a dor que ele carregava pela ausência
precoce do pai. Mas o meu pai fez da ausência, presença. Há 25 anos, em um
momento de recomeço profissional, homenageou o próprio pai dando o seu nome à
Escola Ari de Sá Cavalcante.
Desde então, honra esse legado oferecendo
um ensino de excelência e transformando o futuro de tantos jovens estudantes.
Em 2025, recebeu o Troféu Sereia de Ouro, concedido pelo Grupo Edson Queiroz,
e, com humildade, reconheceu que o prêmio pertence a todos os que fazem a
escola.
Na vida íntima, preserva a memória do vovô
através de um amor devotado. Talvez seja esse o sentido mais profundo do
amor: o desejo - e a capacidade - de manter viva a lembrança do outro em nós.
"O beijo do meu pai, o primeiro que
não teria em toda a vida. Ele também veio beijar--me. Não me deixou em um
instante ainda. Mora em mim." Blanchard Girão.
(*) Médica
psiquiatra.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/10/2025. Opinião. p.18.

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