Por Izabel Gurgel (*)
Depois do último ato da festa de São
Francisco em Canindé, tivemos a graça de conhecer o Cineteatro Profa. Aderina
Mesquita, parte do mundo que se irradia em torno do Convento de Santo Antônio.
A festa finda na Casa dos Milagres, com
bênção e a canção de despedida "Está chegando a hora". Quem canta é a
alma da cidade.
Todo dia 5 de outubro, junto ao patamar da
Basílica, o arriamento da bandeira do Santo ao meio-dia dá início ao percurso
que nos lembra, uma vez mais, para o que foram feitas as ruas das nossas
cidades. É uma experiência singularmente bonita de fé na vida em comum.
Na hora em que até os cactos sonham com
água fresca, sombrinha líquida e guarda-chuva serenando, o percurso com banda
de música, coro de canindeenses e o desejo de tocar a bandeira franciscana
levada por mãos a isso devotadas, afirma no corpo a alegria como força de
sustentação do mundo.
"Nossa dor, meu amor, é que balança o
chão da praça" é verso de uma canção que a gente escuta melhor quando em
estado de rua em festa.
Canindeenses cantam Francisco. O 5 de
outubro é muito de quem trabalhou para tornar a festa possível. No mercado,
ouvimos mais de uma vez algo como "é o nosso dia".
Li aqui n'O Povo a estimativa de público
nos festejos de 2025. Por volta de 700 mil, quase dez vezes a população do
lugar. Imaginemos, você e eu, o tanto de gente a trabalhar, em cena e nos
bastidores.
O 5 de outubro é também anunciação. Virá
outra vez o tempo de festa. O calendário começa de novo, como marcação da boa
espera. Bonito modo de relembrar que estamos de passagem. Passaremos. Isso a
que chamamos 'você', 'eu', um dia cessa. A vida, a vida não cessa. É onde mora
o sagrado?
Passei há dias no Belmonte, no Crato. E
estavam em flor os pés de hibisco fúcsia que outro Francisco, o Garcia, plantou
na sede da Vila da Música. Ele tocava flauta na escola vivíssima criada por
Padre Ágio, a Solibel, Sociedade Lírica do Belmonte. Foi só ouvir o nome do
padre e o jardineiro virou um ipê florado. Mostrou o "Abençoa", que
cantavam antes de almoçar. Um cultivador de gente o Padre Ágio Augusto Moreira
(1918 - 2019).
Um grupo da Solibel tocou nos altos do
foyer do José de Alencar, quando da reinauguração do teatro a 26 de janeiro de
1991. A primeira peça tocada pelos agricultores, "Jesus, Alegria dos
Homens", é parte de uma cantata de Bach. Os 'Homens' do título da tradução
é a humanidade, isso que só existe, sabemos, como parte da orquestra do
Universo.
Voltemos a Canindé. O Cineteatro está
aberto às artes, solistas e grupos artísticos, do mesmo modo que a cidade à
gente romeira.
P.S.: tem Zé Pinto (1925 - 2004) no museu
de Canindé. Um berimbau. Em Fortaleza, o Museu de Arte da UFC abriu ontem, dia
11, mostra pelo centenário de nascimento do artista, que também era Francisco
(Magalhães Barbosa).
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/10/25. Vida & Arte, p.2.

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