Por José Nelson Bessa Maia (*)
No momento em que
o presidente do Brasil, seguindo a tradição, abre a Assembleia Geral das Nações
Unidas (ONU), mas num contexto de contencioso com os EUA, a diplomacia global
aguarda com ansiedade o teor do discurso. Em geral, o Brasil tem usado esse espaço
para analisar a conjuntura internacional, projetando sua visão de mundo e
defendendo temas estruturais, como o combate à fome, o desenvolvimento, o
enfrentamento das mudanças climáticas e a reforma de instituições
multilaterais.
A primazia na
abertura dos discursos na ONU dá de fato ao Brasil uma visibilidade importante.
É um canal privilegiado para expor suas prioridades de política externa e
marcar posição em temas de relevância global diante de chefes de Estado,
delegações estrangeiras e da mídia internacional.
No entanto,
apesar da importância da Assembleia Geral da ONU, as organizações
internacionais parecem atualmente esvaziadas e inativas. A onda de cortes de
ajuda humanitária feita pelo atual presidente dos EUA tem atingido a ONU e
outras instituições multilaterais. O Secretariado da ONU e as suas agências já
estão despedindo funcionários, suspendendo programas de ajuda e alertando que
oferecerão muito menos ajuda às pessoas e países mais vulneráveis ??em todo o
mundo.
Na verdade,
diplomatas e analistas de geopolítica especulam que os EUA poderão reduzir
ainda mais sua contribuição financeira à ONU e/ou até mesmo abandoná-la, sem
que nenhum outro país pareça estar disposto a assumir prontamente a parcela da
contribuição americana de manutenção da organização. No entanto, para aqueles
preocupados com o risco de colapso da ONU convém analisar a literatura
acadêmica sobre a resiliência dos organismos internacionais.
As instituições
com um grande número de membros, como a ONU, superam as que envolvem apenas
alguns estados membros. No ano em que completa 80 anos de sua fundação (2025),
a ONU tem a vantagem da longevidade e da universalidade dos seus membros. Mas
as partes da ONU que provavelmente se sairão melhor ao eventual colapso
financeiro são suas agências mais técnicas, que lidam com formas funcionais de
cooperação e definição de normas, e não órgãos altamente políticos como o
Conselho de Segurança e as agências especializadas que fornecem ajuda externa.
Nesse cenário de
fraqueza da ONU e de desordem global, o discurso do presidente do Brasil deverá
aproveitar a tribuna para reiterar a defesa da democracia, da autodeterminação
dos povos e do multilateralismo. Em suma, expressar uma firme defesa da não ingerência
nos assuntos internos dos países e de respeito à soberania das nações, assim
como da necessidade de restabelecer os mecanismos financeiros e o poder das
organizações de cooperação internacional.
(*)
Ex-secretário de Assuntos Internacionais do
Governo do Ceará, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela
Universidade de Brasília (UnB) e, atualmente, consultor internacional.
Fonte: O Povo, de 28/09/25. Opinião. p.21.

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