Por Izabel Gurgel (*)
"Dá três daquele", diz Gilberto
sobre o presépio na garagem de casa, em Juazeiro do Norte, referindo-se ao do
ano passado. Está aberto à visitação desde a romaria da padroeira da cidade,
Nossa Senhora das Dores, que finda dia 15 de setembro.
Imagino, então, a constelação de minuciosas
narrativas visuais em expansão, como o Universo segundo estudiosos da física.
Assim anotei aqui n'O Povo sobre a montagem de 2024, depois de ouvir Solange
contando cada uma das cenas armadas a partir de textos bíblicos, leituras que
conhecemos ainda que jamais tenhamos aberto um dos livros sagrados das três
religiões monoteístas, da criação do mundo e regência por um deus único.
Criatura leitora é fabulosa, de fabulação, sabemos.
O presépio na casa de esquina no bairro
Limoeiro, perto da Igreja de São José, parece se expandir como a própria
cidade, tão bem (e bentamente) inventada, feita, que parece nascida. Irmanados,
pois, o presépio e a cidade. Uma cidade que para se contar, feito o presépio de
Solange e Gilberto, convoca vozes e mãos, inteligência e pensamento, astúcia e
graça, trabalho intensivo e na ordem do diário, tudo medido na base de
milheiro. Mil e uma figuras no deserto, em aldeias e arraiais, cidades,
caravanas e feiras, oficinas e ateliês com mulheres e homens no ato que não
cessa de criar o mundo. E contar. E cantar a criação.
Se Juazeiro do Norte é cidade onde se
conserta óculos e lhes dá mais dois ou três anos de uso, depois da própria
fábrica em Fortaleza dizer que não tem mais jeito, "agora só outro",
o presépio, como o lugar onde nasce, ensina sem discurso que olho é orquestra,
olhar é função convocadora de habilidades, requer prática, estudo, aplicação, o
que se dá de vários modos. Vi orquestra preparando concerto com ensaiador, as
primeiras sessões de horas largas, dias e dias de serviço; depois passar para outro
maestro condutor, seguir a ensaiar; até chegar ao maestro titular e ao encontro
com o público. É vôo de pássaro em bando. Só existir.
Feito solista, Solange me conta, por
telefone, que o presépio tomou a garagem toda, tem mais canto para a história e
as histórias que existem antes muito da gente nascer e vão seguir, perdurar,
mais até de quem ainda não nasceu. Na grandeza do miúdo - tem elenco de facas e
cutelos nas bancas da feira manuseados por gente de quinze, dezoito centímetros
-, na grandeza do bem miudinho está um convite para prestar atenção, para dar
tempo o olho tomar gosto, também se expandir, diminuir para focar, feito míope
em busca de acuidade, mirar distâncias e a rua daqui, dali, a vizinhança, andar
léguas e cruzar com gente desconhecida que parece pisar macio na terra, como
diz o Krenak, que age-fala desde os anos de 1980, mas agora, parece, é que
começamos a dar atenção.
Meu Deus, a vida é um milagre.
Tome gosto de ver e leve criança com você:
Rua Deputado José Saraiva de Macedo, 137
Bairro Limoeiro - perto da igreja de São
José
Dê um toque pra Solange e Gilberto antes de
ir: (88) 99782.3354
Escute os dois. Tomara você possa
colaborar. Há muitos modos de fazê-lo.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/10/25. Vida & Arte, p.2.

Nenhum comentário:
Postar um comentário