segunda-feira, 21 de março de 2016

OS CLÁSSICOS SÃO SEMPRE ATUAIS


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta

Até hoje perdura a discussão entre críticos literários e acadêmicos sobre quem seria o maior escritor brasileiro: Machado de Assis (1839-1908) ou Lima Barreto (1881-1922).  Sem entrar no mérito da questão, acredito que Machado sofria a influência europeia e era um tanto gongórico. Quanto a escritos em português-brasileiro, prefiro Lima Barreto. Considero os dois a principal dupla da crônica e do romance no Rio de Janeiro da virada do Século XIX. Ambos eram mulatos.
O preconceito camuflado, que persiste até hoje, não poderia aceitar que um mestiço, filho de escrava, alcançasse ser reconhecido literariamente, o que era o caso do Lima Barreto. Neto de escravos em contato com brancos que o veem como ser inferior, Afonso Henrique de Lima Barreto (esse é o seu nome completo) introduziu o “negrismo” na literatura brasileira.
Descreve as mazelas nacionais com o olhar de um brasileiro e não com hipocrisia, como grande parte dos escritores seus contemporâneos. Não tenho dúvidas em afirmar que o Brasil está mais nos seus textos do que em textos da maioria dos nossos letrados, nos trinta primeiros anos da Proclamação da República.
Poderia também lembrar que ele foi o pioneiro da nossa ficção e também o primeiro a divisar os brasileiros em função da sociedade em que viviam. Fosse o seu personagem um elegante membro da fina flor da elite nacional que pensava em francês ou inglês ou, pior, que vivia de aparências que estava longe de possuir, ou um homem da roça, analfabeto, pertencente a uma casta que nem existia como gente.
Aconselho a leitura ou releitura, neste momento de grave crise nacional, um dos melhores livros deste autor: Triste Fim de Policarpo Quaresma. O personagem principal, major Quaresma, é antes de tudo um brasileiro. Patriota ingênuo, vivendo numa sociedade incaracterística que acreditava no Brasil formado à sua imagem e semelhança, deseja salvar o país dos políticos corruptos, mas só provoca risos. Terminou sendo fuzilado a mando do Marechal Floriano Peixoto (1839-1895).
O importante deste livro, publicado primeiro como folhetim no ano de 1911, surpreende o leitor pelo seu caráter profético. Comprova a incompetência dos nossos políticos, a burocracia das repartições públicas, o clientelismo, a injustiça social, preconceitos, etc. Mas o que isso tem a ver com o momento atual?
Tenho muito receio de que nada (ou pouco) mudou em mais de um século de vida nacional, desde a publicação do Quaresma. Ficou apenas mais fácil detectar os malfeitos, dados os avanços tecnológicos. Que isso não venha tão somente constituir mais um espasmo transitório. Lembrem-se de que os clássicos são sempre atuais, por isso são considerados clássicos.
 (*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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