Para economista,
equívocos nas políticas macro e microeconômica são os responsáveis pela crise
atual.
Entrevista com Eduardo Giannetti
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca diz que os
impactos da Operação Lava Jato, que apura corrupção na Petrobrás, podem ter
efeitos negativos sobre a economia brasileira, que esboça uma reação, mas
afirma que as investigações em curso não deram origem à atual recessão pela
qual o Brasil passa. Segundo ele, a má condução do governo Dilma Rousseff, com
políticas equivocadas, colocou o Brasil nesta profunda crise, gerando a alta taxa
de desemprego. A seguir, trechos da entrevista.
O Estadão: Um levantamento feito
pelo ‘Estado’ mostra que as principais empresas envolvidas na Lava Jato
demitiram quase 600 mil pessoas. As novas delações poderão piorar esse cenário?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: O
impacto (negativo) indireto sobre o emprego é ainda maior. Afeta toda cadeia,
desde os fornecedores até o consumo que deixa de ser feito porque a atividade
não aconteceu.
O Estadão: Com as delações que
vieram à tona semana retrasada, o impacto da Lava Jato na economia pode ser
maior daqui para a frente?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: Acho
que seria um erro de análise atribuir a atual crise econômica e o desemprego à
Lava Jato. Estaríamos em crise e com alta taxa desemprego, independentemente da
Lava Jato. Não foi a operação que criou esse problema. Ela ajudou a agravar, uma
vez que as decisões tomadas no âmbito da corrupção que a operação está
revelando foram péssimos investimentos. Um exemplo é a refinaria Abreu e Lima.
Foram gastos dezenas de milhões de reais e nenhum real de retorno. A Lava Jato
não causou a crise econômica.
O Estadão: Em outras palavras, a
Lava Jato não está diretamente ligada à crise econômica...
Eduardo
Giannetti da Fonseca: Não
é o preponderante. Ela é mais o sintoma da crise do que a causa original. Uma
coisa é importante esclarecer: o custo econômico da incompetência do governo
Dilma é muito maior do que toda a corrupção brasileira, por mais que você
superestime essa corrupção. Estamos falando de toda ordem de magnitude. Mesmo
na avaliação mais ambiciosa do tamanho da corrupção no País não chega nem perto
do custo que teve para a sociedade o acúmulo de equívocos macroeconômicos e de
política microeconômicas do governo Dilma.
O Estadão: O sr. se refere só ao
governo Dilma ou à gestão petista?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: O
quadro (econômico) começou a se deteriorar no segundo mandato do governo Lula,
após a saída de Palocci (ex-ministro Antônio Palocci). O cenário se agravou e
gerou a crise que estamos vivendo no primeiro mandato do governo Dilma, com a
adoção da chamada nova matriz macroeconômica e com os erros de políticas
microeconômicas nas áreas de energia elétrica, de petróleo e gás, das
concessões, do uso do BNDES para favorecer parceiros. Acredito que a corrupção
gere muito mais indignação porque é um desvio de responsabilidade moral.
O Estadão: Mas foi o governo
Lula que estimulou as políticas de ‘campeãs nacionais’. Isso já não era um
indício do início do problema?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: O
segundo mandato do Lula foi um ensaio. Mas a realização em larga escala desses
projetos foi no mandato da Dilma. O Lula ainda tinha um álibi de lidar com o
impacto da crise econômica global de 2008 e 2009. Podia justificar que eram
medidas anticíclicas para diminuir a crise. No governo Dilma já não foi nada
disso. Foi uma convicção equivocada de alocação de recursos e intervenção com
mão pesada nos setores elétrico e de óleo e gás, na alocação de crédito...
Depois, uma inflação muito alta, reprimindo os preços administrados, o que
obrigou a aumentar os juros durante a recessão. De novo, a crise atual não tem
nada a ver com a corrupção. Não é a primeira vez que o Brasil passa por crises.
Foi assim no governo Geisel (Ernesto Geisel). Dilma gerou uma nova década
perdida.
O Estadão: Mas as revelações da
Lava Jato agravaram o desemprego?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: Agravaram
sim.
O Estadão: A situação poderá
ficar mais crítica com futuras delações, como a do Palocci?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: A
Lava Jato é um exemplo da deformação patrimonialista do Estado brasileiro.
Governos que comandam junto com segmentos do setor privado o uso dos recursos
na economia. Por dois motivos basicamente: o setor privado buscando um atalho
de crescimento por meio de acesso privilegiado; e os governantes buscando a perpetuação
no poder por meio da cooptação do setor privado. É uma via de mão dupla. Fazem
um conluio para se beneficiar – uns com lucro e outros no poder. Isso não
envolve todo o empresariado nem todos os políticos. E, de fato, estão faltando
dois elos ainda da cadeia da corrupção brasileira: o setor financeiro e o
judiciário, que devem ser apurados.
O Estadão: Uma vez que se jogue
luz sobre esses dois elos, o cenário econômico e político pode piorar?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: Acho
que à medida que se instaure no Congresso uma ideia do salve-se quem puder, em
que se blindariam os políticos da Lava Jato, corre-se o risco de o governo
Temer ficar esvaziado, afetando a governabilidade. O governo está correndo desesperadamente para manter as
condições de governabilidade. E ele já sabia que tinha um prazo de validade
definido para poder usar o capital político. Com a Lava Jato e com o que
ocorreu semana retrasada, esse capital político foi depreciado.
O Estadão: O governo terá
condições de dar continuidade às reformas?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: O
governo já esteve em condições melhores de aprovar a agenda de reformas. Quanto
mais o tempo passa, menos ele fica operacional. Ficou mais complexo daqui para
frente.
O Estadão: Está mais vulnerável?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: Sim.
E ele está buscando se reagrupar para reconstituir os mecanismos de sustentação
do Congresso Nacional. Mas o risco está em um cenário do salve-se quem puder,
em que o Congresso passa a ser muito mais regido pela lógica da sobrevivência a
qualquer preço do que uma agenda de reformas que também pode ter custos
eleitorais mais à frente.
O Estadão: Mas a equipe econômica
está empenhada em fazer os ajustes.
Eduardo
Giannetti da Fonseca: Por
mais crítico que se seja ao governo Temer, ele acertou na área econômica. Não
só no Ministério da Fazenda, como nas estatais brasileiras, BNDES, Banco
Central e com uma agenda correta, baseada na “Uma ponte para o futuro”.
O Estadão: Mas há risco
sistêmico?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: A
economia está esboçando reação. Provavelmente, estamos saindo neste primeiro
trimestre de uma sequência de 11 trimestres de PIB negativo. Uma pena que uma
tempestade política coloque em risco essa recuperação. Institucionalmente, para
o Brasil, o mais importante é que esse movimento de apuração se complete. Seria
um enorme retrocesso se, em nome de qualquer pretexto, houvesse um conluio de
acordo para terminar esse processo tão doloroso que é o da apuração e da punição.
O que vai causar prejuízo econômico é a paralisia do governo.
O Estadão: Como o sr. vê o
cenário eleitoral para 2018?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: A
única coisa segura é que a expectativa sobre 2018 está mais aberta do que já
era porque os nomes que seriam competitivos e estariam concorrendo
provavelmente não chegam vivos até lá.
O Estadão: Os acordos de
leniência podem ser uma saída para o Brasil começar do zero?
Eduardo
Giannetti da Fonseca: Não
existe começar do zero. Mas você não pode condenar uma Petrobrás e outras
empresas pela má ação de parte da diretoria. O País perder as grandes
empreiteiras é ruim. Tem de investigar e punir, mas não confundir desmandos de
uma diretoria com a nação brasileira.
Fonte: O Estado de São Paulo (O Estadão), de 22/04/2017.
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