terça-feira, 1 de setembro de 2020

Sobre a interiorização dos casos de Covid-19 em municípios com a presença de unidades acadêmicas da Uece

Por Prof. Dr. Marcony Silva Cunha (*)

Segundo a disponibilidade dos dados para a epidemia de Covid-19 no estado do Ceará, o município de Fortaleza, como é sabido, é o primeiro em número de óbitos, tanto em valores absolutos quanto em valores relativos à incidência por habitante; em segundo lugar vem Sobral, maior município do interior do estado em população. Fortaleza e Sobral exibem taxas de mortalidade de 14,1 e 14,0 por 10 mil habitantes, respectivamente; em valores absolutos, Fortaleza tem quase 13 vezes mais óbitos que Sobral e, também, uma população perto de 13 vezes maior.

Como em todos os lugares, os municípios mais populosos, ou densamente povoados, sofreram mais precocemente os efeitos da pandemia. No Ceará, o caminho do novo coronavírus foi praticamente esse, começou na capital e região metropolitana e rapidamente se espalhou para o restante do Estado, atingindo os principais municípios.

Por outro lado, vale ressaltar que, durante a evolução da doença, os municípios do interior onde há um ou mais campi universitários instalados, estes possuíram em algum momento a maior parte dos casos e óbitos pelo novo coronavírus na macro ou microrregião onde estão inseridos. Particularmente, os sete municípios onde a Universidade Estadual do Ceará - UECE tem campus institucional, a saber, Quixadá e Tauá (macrorregião do Sertão Central), Crateús (15ª região de saúde de Sobral), Itapipoca (6ª região de saúde de Fortaleza), Iguatu e Mombaça (macrorregião do Cariri) e Limoeiro do Norte (macrorregião Litoral Leste/Jaguaribe) tiveram praticamente a primazia de casos e óbitos nos primeiros meses da pandemia, tanto em valores absolutos quanto em relativos.

É tentador se querer correlacionar os casos e óbitos à efervescência das “cidades universitárias”, por assim dizer, mas, não por coincidência, estas também são as maiores em habitantes e, por isso mesmo, é provável que tenham sido escolhidas para serem sedes de um ou mais campi universitários. Exemplo disso é Quixadá, o município mais populoso da macrorregião do Sertão Central, que possui, além de um campus da UECE, um campus avançado da Universidade Federal do Ceará (UFC), um do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e mais alguns campi de universidades particulares. Evidentemente, um município possuir universidades não implica que este irá ter mais (ou menos) casos de Covid-19, mas sim o fato de serem mais populosos, terem maior estrutura física para atender sua população local e servirem de sede ou polo referencial para municípios menores, que buscam seus serviços públicos, como bancos, hospitais etc.

O mesmo se pode dizer de Sobral, o maior município e o mais estruturado da região Norte do estado, com várias Instituições de Ensino Superior (IES) distribuídas entre universidades, centros universitários e faculdades e que recebe estudantes de dezenas de localidades. Pertencente à macrorregião de Sobral, na décima quinta região de saúde com onze municípios, Crateús possui um campus institucional da UECE e lidera, desde o início da pandemia, em número de casos e óbitos por Covid-19, em valores absolutos e relativos.

Não por acaso, no outro extremo do estado, na macrorregião do Cariri, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, que também possuem várias IES, figuram entre os municípios mais afetados da macrorregião do Cariri e, juntos, possuem uma população estimada em 467 mil habitantes. Na macrorregião, entretanto, Mombaça e Iguatu, municípios com unidades acadêmicas da UECE, lideravam em taxa relativa de óbitos por habitante até o fim de junho. Atualmente, o município de Orós tem a maior taxa relativa de óbitos, 50% a mais que Mombaça e o dobro de Iguatu. Em números absolutos, Juazeiro do Norte tem, de longe, o maior número de óbitos, seguido por Crato, Iguatu, Barbalha e Mombaça.

Completando o quadro dos municípios com campus da UECE, temos Limoeiro do Norte, na macrorregião do Litoral Leste/Jaguaribe. Neste caso, a primazia de casos e óbitos não foi de uma “cidade universitária” da região, mas do município de Aracati, um município litorâneo bastante frequentado por turistas de dentro e fora do estado, principalmente em épocas festivas como o carnaval. A cidade de Limoeiro vinha logo em seguida, com o segundo maior número de óbitos na região. Atualmente, Aracati está em segundo lugar no número total de óbitos, superada por Russas, com Limoeiro em terceiro lugar; em valores relativos, Aracati é a quarta cidade e Limoeiro do Norte, a sexta.

Assim, pode-se dizer que, nesse momento de diminuição ou arrefecimento de casos e óbitos de Covid-19 no estado do Ceará, depois do epicentro de casos e óbitos, Fortaleza, a situação no interior se agravou por meio de seus principais municípios, incluindo-se o litoral, que se tornaram epicentros para os outros municípios de suas respectivas regiões. Alguns desses, por sua vez, acabaram se tonando os novos epicentros na região com maior número relativo, ou até absoluto, de casos e óbitos por Covid-19.

Importante mencionar que o arrefecimento de casos não significa que se está livre do vírus nem que ele irá sumir gradativa e espontaneamente, mas que se pode atingir, eventualmente, um nível residual mínimo de casos e óbitos. Isto implica que, a qualquer momento, pode-se ter um novo aumento de casos e óbitos se não se respeitar o distanciamento social e as regras de higiene para o coronavírus.

(*) Professor Titular do Curso de Física da UECE. Membro do Grupo de Trabalho para o enfrentamento à pandemia do coronavírus no âmbito da Fundação Universidade Estadual do Ceará - FUNECE

** Publicado In: Jornal do médico digital, 1(4): 66-69, agosto de 2020. (Revista Médica Independente do Ceará).

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