segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A VOLTA DA DIPLOMACIA DAS CANHONEIRAS?

Por José Nelson Bessa Maia (*)

O mundo chega ao final do primeiro quartel do século XXI numa situação de fragmentação econômica, com uma velha ordem internacional disfuncional e sérias ameaças geopolíticas. Conflitos civis, guerras de conquista, lutas assimétricas e massacres de populações se tornam episódios corriqueiros e isso não parece mais comover a opinião pública global nem causar repercussão na mídia ou repúdio de autoridades e organismos internacionais.

Nesse contexto ameaçador a volta ao poder de Donald Trump nos EUA introduz um complicador em um sistema internacional já tão abalado e fragilizado. As declarações recentes do presidente eleito americano de anexação do vizinho Canadá, de absorção da Groelândia e da reocupação do Canal do Panamá sem descartar o uso de força militar faz ressurgir uma faceta antiga do imperialismo na forma da chamada “diplomacia das canhoneiras”, baseada na noção da Escola Realista das Relações Internacionais, que prioriza a segurança do estado-nação e o interesse nacional sobre princípios morais ou legais internacionais.

Em outras palavras, a diplomacia das canhoneiras pode ser entendida como um método de intimidação ou intervenção em assuntos internos de outros países por meio da mobilização de força militar para, sem recorrer à declaração formal de guerra, perseguir objetivos nacionais expansionistas em terceiros países.

Tal método serviu tanto à preservação de vantagens quanto à tentativa de evitar perdas no exterior. Na prática, no passado a ameaça ou o uso efetivo de forças navais limitadas perseguiu os objetivos de cobrar dívidas externas, garantir a ordem política ou/e social e preservar áreas de influência, colônias, mercados ou protetorados.

Como exemplos históricos da diplomacia das canhoneiras podem-se citar a abertura forçada do Japão pelo comodoro Matthew Perry dos EUA, entre 1853 e 1854; a crise de Agadir, em 1911, quando a Alemanha enviou navio de guerra para o porto marroquino de Agadir; a Guerra do Ópio na China, em 1840 e 1856; A Questão Christie, entre o Império do Brasil e o Império Britânico, entre 1862 e 1865; a intervenção da França no México em 1861 e a ocupação britânica da ilha brasileira da Trindade em 1895.

Embora o período clássico da diplomacia das canhoneiras já tenha passado, é inquietante a volta nas declarações públicas de ameaça de uso de força militar como instrumento de coerção na política externa pelo novo governo estadunidense. Sobretudo se essa ameaça fosse eventualmente empregada para a mudança forçada de governos, como seria no caso da Venezuela e seu contestado regime do presidente Nicolás Maduro.

Em suma, manifestações como essas do Sr. Trump em prol de anexar territórios de outras nações sob o pretexto de garantir os interesses econômicos e a segurança de seu país devem ser rebatidas com veemência nos fóruns internacionais. A truculência e o desrespeito à soberania dos estados-nações não podem prevalecer no sistema de governança global.

O retrocesso civilizacional na convivência entre os diversos países precisa ser combatido a todo o custo e o diálogo pela paz e a busca da cooperação deve prevalecer nas relações entre estados e povos.

(*) Mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela UnB e ex-secretário de Assuntos Internacionais do governo do Ceará. Pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.

Fonte: O Povo, de 16/01/25. Opinião. p.19.

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