Por José Nelson Bessa Maia (*)
O mundo chega ao
final do primeiro quartel do século XXI numa situação de fragmentação
econômica, com uma velha ordem internacional disfuncional e sérias ameaças
geopolíticas. Conflitos civis, guerras de conquista, lutas assimétricas e
massacres de populações se tornam episódios corriqueiros e isso não parece mais
comover a opinião pública global nem causar repercussão na mídia ou repúdio de
autoridades e organismos internacionais.
Nesse contexto
ameaçador a volta ao poder de Donald Trump nos EUA introduz um complicador em
um sistema internacional já tão abalado e fragilizado. As declarações recentes
do presidente eleito americano de anexação do vizinho Canadá, de absorção da
Groelândia e da reocupação do Canal do Panamá sem descartar o uso de força
militar faz ressurgir uma faceta antiga do imperialismo na forma da chamada
“diplomacia das canhoneiras”, baseada na noção da Escola Realista das Relações
Internacionais, que prioriza a segurança do estado-nação e o interesse nacional
sobre princípios morais ou legais internacionais.
Em outras
palavras, a diplomacia das canhoneiras pode ser entendida como um método de
intimidação ou intervenção em assuntos internos de outros países por meio da
mobilização de força militar para, sem recorrer à declaração formal de guerra,
perseguir objetivos nacionais expansionistas em terceiros países.
Tal método serviu
tanto à preservação de vantagens quanto à tentativa de evitar perdas no
exterior. Na prática, no passado a ameaça ou o uso efetivo de forças navais
limitadas perseguiu os objetivos de cobrar dívidas externas, garantir a ordem
política ou/e social e preservar áreas de influência, colônias, mercados ou
protetorados.
Como exemplos
históricos da diplomacia das canhoneiras podem-se citar a abertura forçada do
Japão pelo comodoro Matthew Perry dos EUA, entre 1853 e 1854; a crise de
Agadir, em 1911, quando a Alemanha enviou navio de guerra para o porto
marroquino de Agadir; a Guerra do Ópio na China, em 1840 e 1856; A Questão
Christie, entre o Império do Brasil e o Império Britânico, entre 1862 e 1865; a
intervenção da França no México em 1861 e a ocupação britânica da ilha
brasileira da Trindade em 1895.
Embora o período
clássico da diplomacia das canhoneiras já tenha passado, é inquietante a volta
nas declarações públicas de ameaça de uso de força militar como instrumento de
coerção na política externa pelo novo governo estadunidense. Sobretudo se essa ameaça
fosse eventualmente empregada para a mudança forçada de governos, como seria no
caso da Venezuela e seu contestado regime do presidente Nicolás Maduro.
Em suma,
manifestações como essas do Sr. Trump em prol de anexar territórios de outras
nações sob o pretexto de garantir os interesses econômicos e a segurança de seu
país devem ser rebatidas com veemência nos fóruns internacionais. A truculência
e o desrespeito à soberania dos estados-nações não podem prevalecer no sistema
de governança global.
O retrocesso
civilizacional na convivência entre os diversos países precisa ser combatido a
todo o custo e o diálogo pela paz e a busca da cooperação deve prevalecer nas
relações entre estados e povos.
(*) Mestre em
Economia e doutor em Relações Internacionais pela UnB e ex-secretário de
Assuntos Internacionais do governo do Ceará. Pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países
Lusófonos e China-América Latina.
Fonte: O Povo, de 16/01/25. Opinião. p.19.
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