Por Izabel Gurgel (*)
Pular da ponte, em saltos que são desenhos
no ar. Escuto Biro Biro. Está lá a beleza nos olhos de quem vê. Nomeia os de
saltos ornamentais, que deram amplitude ao seu horizonte de menino, e as águas
vão banhando a imaginação de quem escuta.
Eu já vi o rio seco, com moto estacionada
no leito. Já vi o rio cheio. Vi uma e outra imagem de grandes cheias do
Salgado, inundando a várzea onde Icó está assentada.
Correr com as bombas do Senhor do Bonfim,
tão velozes, o fogo e as águas, quanto o tempo (a nos absurdar quase sempre),
correr junto ao fogo sagrado da ribeira dos Icós faz parte do horizonte de
desejo, mesmo que 'apenas' no modo admiração e espanto, de quem nasce na
cidade-lapinha.
Biro-Biro guarda as duas coisas. Vividas,
vívidas: pular da ponte e correr com as bombas do dia primeiro de janeiro, ao
final da procissão do santo que literalmente desce do altar para isso.
Guardar no sentido do poema de mesmo nome
de Antônio Cícero, que sempre me ocorre e cito para tratar de belos usos.
"O rio era uma praia", escuto Biro Biro. "Lembro das lavadeiras
nas pedras... Rosalba, a irmã dela".
É a Rosalba do título. Fui com Marciano
visitar Rosalba. Marciano e o irmão gêmeo Márcio cuidam da lapinha montada na
capelinha dos fundos da Matriz de Icó, com acesso pela rua do Meio, onde
nasceram e Marciano continua morando.
Rosalba Oliveira nasceu em 1934. Foi
zeladora da capelinha. "Almério me deu a capelinha para eu cuidar",
diz. Almério Silva (1924-1996), até onde sabemos, é o principal personagem na
dramaturgia da lapinha de Icó.
Com o padrinho Almério, os gêmeos
aprenderam a manter, literalmente acesa, a lapinha que faz parte da cidade como
o rio, a várzea, a abundância de céu. Em 2025, Almério tem 100 anos 1. Como nas
mil e uma noites, seguimos contando.
Professor, com formação em artes plásticas,
letras, arquitetura, Biro Biro diz que o catavento em miniatura é das primeiras
peças (a primeira, Biro Biro?) que faz e doa para os gêmeos, amigos de
infância, usarem na lapinha. Biro Biro lembra de visitar a lapinha desde que se
entende por gente. Nas primeiras idas, levado pelo pai.
Ariston Gledson Moreira Borges, o Biro
Biro, é filho de Maria Moreira e Francisco Borges. Dona Maria de Messias. O Seu
Messias. Ninguém dizia 'Seu Francisco', o nome do santo associado à difusão do
presépio no Ocidente.
Seu Messias "era grande carpinteiro,
marceneiro". Vinha da zona rural, Carnaubinha, Salgadinho. Quando eu digo
que é o mundo é feito a mão, Icó me mostra como isso não é um exagero.
Maquetes de edificações da cidade integram
a lapinha. Biro Biro é um dos autores delas. A lapinha dura mais que o tempo em
que fica montada (dezembro e até 6 de janeiro). Um elogio às pessoas que zelam
e guardam o mundo (olha os belos usos aí), ela acontece o ano inteiro no
dia-a-dia e no extraordinário da cidade.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/02/25. Vida & Arte, p.2.
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