segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

DEZEMBRITES

Por Sofia Lerche Vieira (*)

Os dias de intervalo entre o fim de um ano e o início de outro nem sempre são simples. Os afazeres se somam. Compras. Compromissos. Confraternizações. De tanto celebrar, as alegrias podem perder a graça. Por outro lado, este é também um tempo de inevitáveis balanços. O que restou das promessas feitas na passagem de ano anterior? Matéria deste jornal afirma que o espírito deste misto de angústia e euforia tem um nome: dezembrite (O POVO, 22 dez. 2024). Terminando com o sufixo "ite", boa coisa não há de ser. Haveria um emoji para expressar este estado?

É verdade que existiram fatos positivos, mas em muitos sentidos este foi um ano pouco fácil. Atravessá-lo, uma tarefa árdua. Conflitos políticos armados destroçaram milhares de vidas. Intempéries da natureza destruíram o meio ambiente. O que dizer e fazer diante da inclemência do vivido? Afastando-nos de fórmulas da moda, há que se fugir dos protocolos simplificados de sobrevivência e buscar inspiração naquilo que é essencialmente humano.

A esse respeito diz Guimarães Rosa no conto "Vida Ensinada". Filosofando sobre o tema, ele diz: "Devagar e manso se desata qualquer enliço, esperar vale mais que entender, janeiro afofa o que dezembro endurece, as pessoas se encaixam nos seus veros lugares" (Rosa, 2017, pág. 630). A passagem ensina, com leveza, que paciência é um caminho para lidar com os novelos da vida. Há coisas para as quais não temos explicação. Esperar ajuda a compreender e a encontrar respostas.

Algo na mesma linha dizia o poeta indiano, Rabindranath Tagore (1841-1941), ao afirmar que "a perfeição das pedras não vem dos golpes do martelo, mas da dança e do canto da água." Tema pouco cultivado em tempos de imediatismo e consumo instantâneo, a paciência pode auxiliar a conquistar formas desaceleradas de viver em melhor sintonia com a alma. Se em vez de correr, iniciarmos o novo ano sorvendo uma boa dose deste ingrediente raro, quem sabe, os eventuais dissabores de dezembro sejam sucedidos pela magia dos bons começos. E janeiro possa reinar, afofando as intempéries que se farão presentes ao longo do ano nascente.

(*) Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/12/24. Opinião. p.16.

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