Por Sofia Lerche Vieira (*)
Os dias de intervalo entre o fim de um ano e o início de outro nem
sempre são simples. Os afazeres se somam. Compras. Compromissos.
Confraternizações. De tanto celebrar, as alegrias podem perder a graça. Por
outro lado, este é também um tempo de inevitáveis balanços. O que restou das
promessas feitas na passagem de ano anterior? Matéria deste jornal afirma que o
espírito deste misto de angústia e euforia tem um nome: dezembrite (O POVO, 22
dez. 2024). Terminando com o sufixo "ite", boa coisa não há de ser. Haveria
um emoji para expressar este estado?
É verdade que existiram fatos positivos, mas em muitos sentidos
este foi um ano pouco fácil. Atravessá-lo, uma tarefa árdua. Conflitos
políticos armados destroçaram milhares de vidas. Intempéries da natureza
destruíram o meio ambiente. O que dizer e fazer diante da inclemência do
vivido? Afastando-nos de fórmulas da moda, há que se fugir dos protocolos
simplificados de sobrevivência e buscar inspiração naquilo que é essencialmente
humano.
A esse respeito diz Guimarães Rosa no conto "Vida
Ensinada". Filosofando sobre o tema, ele diz: "Devagar e manso se
desata qualquer enliço, esperar vale mais que entender, janeiro afofa o que
dezembro endurece, as pessoas se encaixam nos seus veros lugares" (Rosa,
2017, pág. 630). A passagem ensina, com leveza, que paciência é um caminho para
lidar com os novelos da vida. Há coisas para as quais não temos explicação.
Esperar ajuda a compreender e a encontrar respostas.
Algo na mesma linha dizia o poeta indiano, Rabindranath Tagore
(1841-1941), ao afirmar que "a perfeição das pedras não vem dos golpes do
martelo, mas da dança e do canto da água." Tema pouco cultivado em tempos
de imediatismo e consumo instantâneo, a paciência pode auxiliar a conquistar
formas desaceleradas de viver em melhor sintonia com a alma. Se em vez de
correr, iniciarmos o novo ano sorvendo uma boa dose deste ingrediente raro,
quem sabe, os eventuais dissabores de dezembro sejam sucedidos pela magia dos
bons começos. E janeiro possa reinar, afofando as intempéries que se farão
presentes ao longo do ano nascente.
(*) Professora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/12/24. Opinião. p.16.
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