Por Patrícia Soares de Sá Cavalcante (*)
Não sei dizer, precisamente, quando me
tornei uma leitora assídua; foi um processo gradual. Sempre tive uma capacidade
imaginativa forte, mas, quando criança, frequentemente, dispersava-me durante a
leitura, perdendo o fio da meada. No entanto, na maioria das vezes, minha
distração transformava-se em devaneios originados das histórias que eu lia.
Quando comecei a fazer análise, há 15 anos,
percebi uma semelhança entre a associação livre do pensamento — algo
fundamental para que a análise ocorra — e o que acontecia em minha mente,
quando eu estava com um livro nas mãos.
Tenho a impressão de que, à medida que fui
compreendendo e elaborando essas associações, solidifiquei o hábito de ler e,
mesmo quando me perdia nos devaneios, encontrava uma forma de me reencontrar.
Só tomei consciência dessa dinâmica, quando
Marina, minha filha mais velha, era pequena. Ao ler para ela, encontrava
trechos que despertavam minhas memórias, e novas histórias surgiam dentro
da narrativa original, tornando-a mais rica e criativa. Ela, muito perspicaz,
perguntava-me: "Mãe, essa parte está no livro?".
Minha primeira leitura do ano foi A
invenção da solidão, de Paul Auster. Ele afirma que o livro é apenas um objeto
inanimado até que alguém coloque os olhos nele. Cada leitor lê um livro
diferente. Cada um fará sua própria leitura a partir de uma perspectiva única,
e essa é a beleza da coisa. Considera também que o romance é o único lugar no
mundo onde dois estranhos podem se conhecer intimamente.
Outro fato interessante é que podemos ler o
mesmo livro em momentos diferentes de nossas vidas e o que captamos da obra
pode ser distinto a cada leitura. Podemos nos surpreender com um
"novo" livro.
Acredito, firmemente, no poder
transformador da literatura. Muitas vezes, o que lemos é uma tradução do que
sentimos, o que até então éramos incapazes de colocar em palavras. Passamos a
compreender melhor nós mesmos, os outros e o mundo.
Eles estão aí: Machado de Assis, Proust,
Dostoievski, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Gabriel García Márquez,
Fernando Pessoa, Graciliano Ramos, Tolstói, Saramago, entre tantos outros.
Abra-os, dê-lhes vida, transforme-se.
(*) Médica
psiquiatra.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 28/01/2025. Opinião. p.16.
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