terça-feira, 3 de maio de 2016

OPERAÇÕES MÁGICAS


Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
Os chineses afirmam ser o conhecimento das palavras o reconhecimento das cousas. Pudera! Assim, oferecemos aqui um pequeno glossário (conjunto de termos pouco conhecidos) cirúrgico: endoscopia = do grego “éndon”: dentro + “skop” = observar; “endoscópio” = tubo flexível para tal fim. Estes canos delgados com iluminação interna são introduzidos pela boca ou outro orifício natural (vagina, ânus). Teriam sido cerebrados (imaginados, concebidos) por Phillipe Bozzini, de Frankfurt (1806), usados inicialmente (1853) para examinar a uretra e a bexiga, mas difundidos apenas em 1965, por Harold Hopinks, da Universidade Reading, Inglaterra.
Atualmente viabilizam até a substituição da válvula aórtica, sem abertura do tórace, quando inseridos em vaso periférico. Laparotomia = do grego “laparon”: flanco, lombo. É a abertura do ventre; laparoscopia = observação da cavidade abdominal. Quando a inventariamos (descrevemos) com videocâmera, orientam-nos as imagens na televisão: videolaparoscopia. Esta fora originalmente empregada para diagnósticos “in anima vili” (em animais) por Kelling (1901), e em humanos (“in anima nobilis”) por Jacobeus (1910).
Desde 1918 (com Goetz) ficou facilitada pelo pneumoperitônio, ou insuflação do abdome com dióxido de carbono. Transluminal = por dentro de órgão, da sua luz (lúmen, lume). As operações videolaparoscópicas ensejaram as intervenções cirúrgicas minimamente invasivas, pelos orifícios naturais, sem incisões (cortes) na parede abdominal. Tais procedimentos como as colecistectonuas (excisões, ressecções da vesícula biliar) surgiram em 1985 com Muhe, ou 1987 com Mouret. Até então vias de acesso inusitadas, hoje são adotadas em várias especialidades.
Sua aceitação beneficiou-se de certos progressos tecnológicos, como do laser (Einstein), em vez do bisturi ou do eletrocautério endoscópico. É a quirotecnia
(do grego “cheir” = mão), enriquecendo o arsenal moderno do cirurgião. Para gáudio (alegria) e orgulho nossos, na América Latina, a primeiríssima colectomia (retirada do intestino grosso) por esta técnica foi realizada por Sergio Regadas, em Fortaleza, outubro, 1991. (Ratificou o já tradicional pioneirismo do Ceará: Abolição da Escravatura: 03/1884. Academia Cearense de Letras, a pioneira do País: 08/1894; Clube dos Colostomizados do Brasil, 09/1975).
Apendicectomias endoscópicas transgástricas (por abertura no estômago) foram executadas em Hyderabad (Índia, 2005) por Rao e Reddy, e colecistectomia transvaginal no Brasil, a/c Zorrón, 2007. Esta última, esdrúxula (esquisita, excêntrica) ablação (retirada) chamou-se “operação de Anubis”, o deus egípcio que ressuscitou Osiris manejando instrumentos longos e dobradiços. São, pois, fantásticos estes atos, quase – mágicos, sabendo até a prestidigitação (epa! Aqui são os truques do operador).
Foram agrupados sob a sigla CETON (cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais). Em inglês, invertendo a sequencia das letras teremos NOTES. Com serem métodos novíssimos, de percalços (vantagens e inconvenientes) pouco conhecidos, formou-se em Nova York (2005) grupo específico para deles cuidar: “Noscar” (nenhuma cicatriz). Mas isso é outra história.
 (*) Professor Emérito da UFC. Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo, Opinião, de 30/3/2016. p.8.

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