A dor romba, da
qual já falei aqui, aquela que nos atinge no cuore, forma um oco na alma, dando-nos a impressão de que fomos
trespassados por um golpe, bem certeiro, de enorme covardia, quando nossa
essência se desfigura, nossos sonhos se esvaem e fica esse enorme buraco no ser
(“As dores rombas de setembro” – O POVO – 27/09/2016). Essa dor veio de novo.
Dessa feita provavelmente atingiu as mais de cinquenta milhões de brasileiras
negras e pardas desse Pais, e também boa parcela do nosso povo desvalido do
necessário ao bem viver. Foi assim que a morte de Marielle nos atingiu, minando
a todos e, principalmente, a sua exemplar representação de injustiçados e
oprimidos brasileiros.
No primeiro momento
vem a questão: por que? Nem se sabe exatamente o motivo, mas uma coisa é certa:
foi exibicionismo do poderio do crime, seja de qual milícia. O que eles
disseram, eliminando Marielle e Anderson, foi que detêm o poder, até porque
usaram armas adquiridas com o nosso dinheiro, pois pertenciam ao Estado.
Mesmo sendo
combativa e de passado de luta, Marielle nunca havia sido ameaçada ou sofrido
qualquer atentado, segundo testemunho de seus companheiros e familiares.
Para aprofundar
os danos, o deputado Alberto Fraga, defensor do uso de armas (Folha, 19/03/2018
-Alessandra Orofino), tentou denegrir o caráter de Marielle e, a partir de sua
argumentação, reconhecida depois, por ele mesmo, como infundada, fez com que as
redes sociais se abarrotassem de postagens, que nada revelavam, depreciando a
vítima e aumentando a dor de todos.
Marielle era
recebida em todas as instâncias da periferia de sua cidade, sempre lutando
pelos direitos humanos (Folha, Caderno Um - 18/03/2018).
A dor está aí,
mas a morte da moça vereadora se faz combustível, e bem ativo, para as
militâncias que têm como meta a observação, na integra, dos direitos humanos.
A mobilização
popular tem sido bem maior do que a covardia dos seus assassinos e dos
detratores de seu caráter. A morte de Marielle hoje é viço alimentado por sua
carreira política, pelo seu compromisso com as causas femininas e das populações
negra e trabalhadora.
Marielle e
Anderson Gomes tiveram suas vidas interrompidas, mas acenderam todas as outras
que compartilhavam seus ideais e suas lutas. A morte de Marielle é vida.
(*) Médica pneumologista; coordenadora do
Pulmocenter; membro da Academia Cearense de Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/03/2018. Opinião.
p.19.
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