Por
Romeu Duarte Junior (*)
A raiz etimológica da palavra
"merenda" encontra-se no vocábulo latino merenda, que significa
"coisas que são merecidas, ganhos", bem como no verbo de mesma origem
merere (merecer), que diz respeito a "algo que deve ser merecido para ser
consumido". Há tempos, era a refeição oferecida por volta das 9 horas da
manhã aos trabalhadores rurais, que acordavam muito cedo, como recompensa pelo
seu trabalho iniciado ao raiar do dia. O termo foi aos poucos ganhando as
cidades, principalmente as do Nordeste, e hoje é usado no cotidiano por todas
classes sociais. Nada desse negócio de lanche, boquinha ou snack, que isso é
coisa de sudestino. Merenda é refeição substanciosa, comida entre o café da
manhã e o almoço e entre este e o jantar. Quem é chegado sabe.
Dentre as muitas opções ofertadas, há uma
que não dispenso: caldo de cana com pastel de carne, este, claro, com uma gorda
azeitona dentro. Comecei a dar valor à mercadoria quando tudo acontecia no
Centro, há muitas décadas. Saía à tarde do Colégio Cearense para assistir a
filmes nos Cines São Luís ou Diogo e, na ida ou na volta ou tanto na ida quanto
na volta, dava um jeito de passar na Leão do Sul para provar do produto. A
garapa dourada, doce e geladinha e o salgado no ponto, sequinho e acochado no
tempero, eram e continuam sendo irresistíveis. Depois, quando no Iphan,
continuei frequentando a garapeira no período vespertino. O pessoal que lá
trabalha é irredutível: às 18 horas, a casa fecha, mesmo com o salão cheio. Ano
que vem a pastelaria completa 100 anos.
Bem mais recente e, segundo a lenda urbana,
criada por ex-funcionários da Leão do Sul, a Guanabara instala-se à rua Major
Facundo, quase esquina com a avenida Duque de Caxias, mais ou menos defronte à
Igreja do Carmo e vizinha a dois colégios, os quais lhe garantem uma bela
frequência. Após as reuniões do Instituto do Ceará, vou direto para lá. O sumo
é feito com cana-de-açúcar que vem da Serra Grande e há um grande sortimento de
sabores de pastéis. Novidade: se o caldo não deu para o pastel, o freguês recebe
um reforço do precioso líquido. Pregado na parede, o cartaz com o mesmo dito
filosófico de sua concorrente da Praça do Ferreira: "A azeitona do pastel
tem caroço". O que realmente significa isso? A dureza ao lado da delícia?
Que filósofo pensou nisso?
A Fortaleza do passado já teve muitas
merendeiras, a maioria delas implantadas nas praças e que vendiam, além de
caldo de cana e café, chás e leites diversos e até cachaça. Hoje há bem poucas,
cujo número foi diminuído pela afluência das lanchonetes que comercializam a
gostosura ilusória e letal do fast-food multiprocessado. Pois bem: interposta
entre os polos da manhã e da tarde, a merenda mostra-se como um prêmio a quem
completou um turno de trabalho e vai enfrentar outro, para tanto precisando de
um nutritivo adjutório. Ou seja, do ponto de vista etimológico, continua
cumprindo seu papel vernáculo à perfeição. Importante é ter o bucho cheio, pois
saco vazio, como dizia a minha mãe, não se põe em pé. Aliás, depois do
comercial que fiz, quero o meu em caldo e pastel.
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 19/08/25. Vida & Arte. p.2.
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