O professor José Batista (nome fictício) estava
saindo do Centro Cirúrgico do Hospital Universitário, quando foi alcançado por
um colega docente do seu Departamento de Cirurgia, que lhe indagou:
– José, o que houve? A cirurgia já terminou?
– Não houve cirurgia, colega.
– Mas por que?
– O anestesista considerou que as condições
de coagulabilidade do paciente estavam inadequadas. Por isso, para evitar um
possível risco de sangramento profuso, capaz de comprometer a saúde do enfermo,
consideramos mais prudente, suspender o ato cirúrgico, para estabilizar as suas
condições pré-operatórias.
– Vocês agiram com prudência – pontificou o
colega.
– Sim. Apenas lastimo porque isso deveria
ter sido visto pelo médico residente, antes de enviar o paciente para a sala de
operações.
– Creio que em mais alguns dias ele estará
apto para a cirurgia.
– Certamente. Houve, porém, uma ineficiência
institucional, porquanto, se o problema dele fosse detectado com a devida
antecipação, um outro paciente poderia ter sido habilitado, a tempo, para ser
operado, ao invés desse doente que teve a sua cirurgia cancelada.
– Mudando de assunto, José: o que você vai
fazer agora, diante do cancelamento da cirurgia?
– Bem! Eu vou à Biblioteca da faculdade para
ler o último número da Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
– Meu caro José, eu preciso de um grande
favor seu.
– Você quer algo na biblioteca? Estou ao seu
inteiro dispor – respondeu José Batista.
– Não. É um grande favor, e não tem nada a
ver com a biblioteca.
– Não se acanhe, homem. Tenho o resto dessa
manhã disponível para o que você precisar.
– Eu fui chamado, faz pouco tempo, para
resolver um problema externo ao nosso Campus,
no Departamento de Pessoal, e terei que me ausentar da faculdade. Ocorre que
tenho que aplicar uma prova da minha disciplina agora.
– Pois não, sou todo ouvidos – retrucou José
Batista.
– Como eu não devo adiar esse teste, para o
qual os alunos se prepararam com a devida antecedência, postei-me aqui, na
saída do Centro Cirúrgico, na espreita, como se diz, para captar algum docente
capaz de me substituir nessa tarefa.
– Na tocaia, como fala o nosso bom sertanejo
– complementou José.
– Afinal, José! Você pode “quebrar esse
galho” pra mim?
– Claro que sim! É apenas aplicar?
– Sim! Não comporta maiores instruções. Os
alunos sabem direitinho como é a prova, que está bem fácil, aliás. Será uma
tranquilidade, pois eles são bem-comportados e estudiosos.
José acata de bom grado o pedido do amigo,
recebe as provas, e vai à sala de aula. Confiado nas informações do colega,
passou antes em seu gabinete, para apanhar um bom livro de leitura, uma obra
literária mais amena.
Durante a aplicação da prova, entre um conto
e outro, o Prof. José Batista lançava seus fulminantes olhares para a turma, a
fim de assinalar a sua presença física, mas nada “inspetorial”. Quando
retornava à leitura, despontava um “converseiro” geral no recinto.
O professor levantou-se, e apelou:
– Façam silêncio, por favor; concentrem-se
na prova.
Depois de duas polidas intervenções, que
naturalmente não surtiram qualquer efeito, o Prof. José, tentando demonstrar a
sua insatisfação, dá um soco na mesa, e proclama a sua autoridade magisterial:
– Façam silêncio! Caso contrário, serei
obrigado a recolher provas.
Nesse instante, um silêncio sepulcral domina
o ambiente, mas foi logo interrompido, por uma anônima voz, em tom cavernoso,
irrompida do fundo da sala:
– FAÇAM SILÊNCIO! O PROFESSOR ESTÁ LENDO!
A partir daí, não deu para conter os risos
gerais da audiência, incluindo o do mestre da sala, que não era mestre-sala, e
nem estava disposto a sambar na pista.
Marcelo Gurgel
Carlos da Silva
Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos
Escritores
Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza:
Edição do Autor, 2022. 144p. p.62-64.
* Republicado In: SILVA, M.G.C. da. AMC. Causo médico: façam
silêncio! Revista AMC (Associação
Médica Cearense). Janeiro de 2024 - Edição n.29, p.28-30 (online).
Nenhum comentário:
Postar um comentário