Por Sara
Oliveira (*)
Em 2023, na sala de espera da Maternidade
Escola Assis Chateaubriand (Meac), lembro de entrevistar avó e mãe. A primeira
com 47 anos, cinco filhos e dez netos. A segunda com 17 anos, sendo mãe pela
primeira vez, depois de cuidar dos três filhos da irmã, de 20 anos. As
dificuldades que eu, na época com 40 anos e dois filhos, comecei a narrar sobre
a vida materna, se perderam em meio aos relatos daquelas duas mães.
O pai do bebê da adolescente estava preso,
ela não havia terminado nem o ensino fundamental e quando perguntei sobre o
futuro, a resposta foi "ainda não pensei". A avó, de pronto, reagiu:
"Que futuro uma mãe que não trabalha pode dar ao filho? Porque eu trabalho
para dar a ela, porque não tem quem dê. O pai foi só pra fazer".
Não se trata de um caso isolado. Uma em
cada 23 meninas brasileiras entre 15 e 19 anos já teve um filho. Em mais de 49
mil partos, a mãe tinha entre 10 e 14 anos. Os números, embora já conhecidos,
escancaram o resultado da carência de políticas públicas que amenizem as
vulnerabilidades às quais meninas são expostas no Brasil.
Dados são de pesquisa da Universidade
Federal de Pelotas, de 2020 a 2022, e consideram a taxa de fecundidade em 5,5
mil municípios brasileiros. Estudo exibe um recorte sócio-econômico alarmante:
69% dos municípios apresentaram índices de fecundidade acima do que seria
esperado para um país de renda média-alta, que é a classificação econômica
oficial do Brasil.
Cenário que destaca as desigualdades
regionais e prova a relação direta entre gravidez precoce, pobreza, evasão
escolar e falta de acesso a serviços públicos. Na região Norte, o índice de
grávidas é de 77,1 nascimentos por mil meninas. No Sul, essa taxa é de 35.
Antes de engravidar, durante a gestação e
depois de estar com o filho nos braços, essas jovens convivem com diversos e
diferentes riscos sociais. São vítimas de abusos, estupros e violências. E como
em todas as estatísticas que envolvem crimes sexuais e de violência contra
mulheres, é preciso fazer a ressalva da subnotificação.
Em 2025, até julho, no Ceará, dos 1.019
crimes sexuais registrados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social
(SSPDS), 80% tiveram como vítima crianças e adolescentes até 19 anos. Um total
de 825 casos, dos quais, 85% foram contra crianças até 14 anos. Meninas que na
grande maioria das vezes sofrem sem denunciar, engravidam sem ter direito a
abortar e continuam a viver à margem dos direitos que deveriam lhes ser
assistidos. Um ciclo geracional, afetado pela falta de assistência e
oportunidade.
A gravidez precoce perpetua a pobreza e
ratifica a falta de prioridade política. Tem impacto nos principais segmentos
da sociedade: Saúde, Educação, Economia. Os números precisam incitar ações para
que o futuro de meninas não seja mais violado.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/08/2025. Opinião. p.19.
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