Quando a língua abala
Marcelo
Vaquejada, amigo de Cedro, conta mais uma daquelas bandas de Ceará Alegre.
-
Vô Abel era caba namorador, raparigueiro, e vó vivia pagando no pé. Um dia, ele
chegou de madrugada dum samba e, de fininho, pra não acordar o povo de casa,
dirigiu-se sorrateiro à alcova. Ocorre que vó, desconfiada, estava à espera pra
tirar satisfações. E vó não deixou mais ninguém dormir. Disparou a falar,
ininterruptamente, condenando a atitude do marido. Ocorre que tio Chico Velho,
rede armada na sala, doido pra dormir, reclamou:
-
Pai! Vê se mãe cala a boca uma coisinha!
Vô
Abel respondeu, como quem diz "agora tá na casa do sem jeito"...
-
Chico Véi, deixa! O 38 da tua mãe é a língua, não fere, mas é tiro pesado!
Se tarifarem o sabugo, lascou!
Procópio
Strauss, ultimamente sumido, mandou notícias do mundo de lá, para regozijo
nosso. Diz que um sobrinho, Neemias, no "trono", rolo de papel
higiênico na mão, encara-o solene e divaga - a ponto de dormir e sonhar,
enquanto fazia...
"Novinho
em folha esse rolo de papel picotado - amigo íntimo. Parece que nunca vai
acabar os 50m prometidos, mas acaba. E limpa suave e perfuma, mas terei de
pedir o concurso de uma ducha pra completar a higiene, porquanto sempre restam
rastros do que se foi. E me levanto e saio pra trabalhar (na empresa de um
primo); volto vexado pra casa (prédio de 20 andares) e de novo me vejo aqui,
sentado. Segurando o dito rolo de papel picotado - amigo íntimo, imagino como
era no tempo de vô Cormo e de vó Chica, no Sertão Central cearense: o roçado, a
firma das labutas; a morada, a casa de taipa humílima; o limpador das partes, o
sabugo que desbasta e penteia. Tempo de delicadezas, aquele..."
Falando com quem entende
Novona
e bonita ainda, a valorosa Neuma Fanta Uva soube por vizinhos que o marido
Diomedes - pulador de cerca inveterado - estava de caso novo com uma criatura
de 45 anos no Beco do Cassaco que até filhos homens prometia lhe dar. Não
suportando a "arrumação do caba sem vergonha", moral lá embaixo,
chama a "famiação" (filhas e genros, sobrinhos e primos, demais
parentes) para dividir a novidade já nem tão nova.
Pela
primeira vez, botou o marido no centro da sala, cadeiras em redor, como se vê
no Roda Viva, e, num grito de socorro brando, começa cautelosamente a
exposição:
-
Seu Diomedes, seu Diomedes! Chamei todo mundo aqui pra dizer que eu tô
sabendo!!!
-
Sabendo de que, hômi?
-
Dumas histórias acolá! Tô sabendo duma rapariga ali...
-
Alto lá, Neuminha! Peraí! De rapariga quem sabe aqui sou eu!
A razão de quem não tem
Tinha
já mais de dois anos que Jotinha devia a Machadinho perto de 10 mil contos.
Todo santo dia um cobrador na porta do mau pagador. E nada de liquidação do
débito. Até que, afobado, o próprio Machadinho foi ao encontro de Jotinha. O
credor, aos brados, disposto a começar ali uma mão de tabefe homérica, se
necessário, assaca:
-
Bora, bora, bora!!! Bora vexado pagar o que me deve!
-
Calma, Machadinho, calma!
-
Calma?!? Vai 'interar' três anos e não vejo a cor desse dinheiro!
-
Você tem razão, Machadinho!
-
Eu não quero razão! Quero meu dinheiro!
-
Cê tem razão, cê tem toda...
-
Pois fique com a sua razão e passe pra cá meu dinheiro!
Fonte: O POVO, de 29/08/2025. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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