terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O cinza, a Grécia e o colorido bestial do Brasil

Para se saber como um povo está sendo governado, conheça a sua música”. – Confúcio

Passei os dias do carnaval meio hibernando. Saí apenas para confirmar o que já intuíra em face dos comentários lidos em várias origens. O filme “Cinquenta tons de cinza” é fraco. Tal como o livro que não li, deve interessar apenas aos que ainda não percorreram as estradas da vida, da leitura e da filmografia.  Parece meio inverossímil que a autora E. L. James tenha conseguido vender um milhão de exemplares. A propaganda, repetida, pode fazer milagres, especialmente quando escudada no conjunto de mídias que cria o “desejo” de ver o diferente e o “proibido”. O que se salva é a fotografia, esforço estético da diretora Sam Taylor-Wood.
Como esperado, a maioria do público era jovem, especialmente mocinhas, pois a indicação permite aos maiores de 16 anos “desvendar” as tendências sado do personagem central. Até nisso houve esperteza na classificação. Por outro lado, a personagem feminina, jovem semiliberada, ainda virgem é filha de mãe vaidosa. Já no quarto casamento, a mãe reside longe e dá breves telefonemas de ofício, sem afeto.
A personagem mora com uma colega mais “escolada” e, como é natural pelos hormônios latentes, cai no conto de fadas do jovem empresário rico, bem apessoado, enigmático, misógino, cercado de secretárias sensuais e com fissura psicanalítica. Foi  adotado aos quatro anos.
Gastei duzentas palavras com a baboseira acima e disserto agora sobre a velha/nova Grécia e o seu atual governo populista/socialista, apoiado por partido de direita. A Ática patina na sua cor simbólica azul em face de corrupção endêmica que permeia a máquina burocrática e a (in) decisão de ouvir e seguir as regras impostas pelo centralismo europeu.
Angela Merkel, sem nunca sorrir, comanda processo de austeridade que ou redime ou fará sucumbir a ideia da Comunidade Europeia que dita normas e afasta os tentáculos de um Putin sedento por anexações – a Ucrânia seria apenas o começo -para fazer renascer a mãe Rússia, cheia de problemas estruturais, mas motivada pelo voluntarismo de seu dirigente.
Aqui no Brasil, tão surreal que se deixa parar por dias, embalado pelos grandes e críticos bonecos das ruas de Olinda e pela cadência dos seus maracatus. Bem diferentes do langor que o cantor e animador Pingo de Fortaleza e o pintor/antropólogo Descartes Gadelha, tentam, como salva-vidas que são, manter abertos no curto circuito da avenida Domingos Olímpio.  A dita  avenida  é esnobada pela maior parte da juventude,  das famílias e dos turistas que se espraiam nas areias quentes de todo o litoral cearense, do Icapuí a Camocim, onde o mar é refrescado pelo rio Coreaú.
Mas há, sobretudo, a atração industriada pela “baianidade” repetida, nos tons altos dos seus trios elétricos que atraem a muitos. “Só não vai quem já morreu”. Carlinhos Brown, Gilberto Gil, Ivete Sangalo e, “last but not least”, Cláudia Leite e Daniela  Mercury dão as cartas, recauchutam suas faces, suas pernas, cantam e pulam para assegurar que estarão de volta no próximo Carnaval.
No Rio, a convivência entre sambistas de verdade, contraventores disfarçados - que dominam a maioria das pacificadas escolas de todos os grupos-, artistas querendo aparecer, turistas/pagantes que se fantasiam, patrocinadores de camarotes e políticos desavisados fazem a festa pela madrugada. Tudo sob o controle do tempo hegemônico da vênus platinada a determinar horários.
A área de concentração se transforma em “xixizódromo” coletivo, até que o relógio oficial determine o início do desfile cronometrado no estuário sambódromo da Marques de Sapucaí. Ressalte-se, em nome do vero Rio, que resistem com forças e desorganizações calculadas, os blocos/cordões diurnos de ruas e de bairros, com o seu humor carioca em nova fase, cáustico com os políticos, desde os tempos de Pereira Passos, Vargas e, agora, certamente, contemplando os referidos nas quizilas em curso.
São Paulo, em meio à “crise hídrica”, apelido de falta d’água, reverbera seu poder com um também sambódromo e múltiplas escolas, por absoluta falta de imaginação, e mostra que por lá existe samba no pé e gente que, por duas vezes, dá mais de dois milhões de votos ao Tiririca. E, assim, paro por aqui e me recolho na platitude desta terra em que se plantando tudo dá. E como dá.
João Soares Neto é escritor e membro da Academia Cearense de Letras.
Fonte: DN, Sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015.

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