Por
Romeu Duarte Junior (*)
À memória do chefe Sitting Bull
(Touro Sentado)
Meu nome é José, Zé para os chegados. Ou
Joe, como sou (era) conhecido por aqui. Há três horas estou em pé nesta fila,
com mulher e filho na mesma situação, aguardando o embarque na aeronave do
governo dos EUA com destino ao Brasil. Ninguém nos informou ainda o local de
chegada, talvez Belo Horizonte, já que muita gente de Governador Valadares veio
para cá. À nossa volta, como cães de guarda, militares armados até os dentes e
com a cara de pouquíssimos amigos. Nunca esperei ter que passar por isto, apesar
de saber que poderia acontecer a qualquer momento. Imigrante ilegal é fogo,
principalmente agora quando somos criminalizados. Minha mulher chora baixinho,
meu filho parece não compreender o que ocorre. A enorme porta traseira do avião
se abre.
Nasci em Fortaleza, no Pirambu, no ano de
1990. Nunca gostei do Brasil, do Ceará e da cidade onde vim ao mundo. Pobre,
com cara de índio, amorenado, era sempre visto com desconfiança pelas pessoas.
Comecei cedo a dar duro, fiz de um tudo. Sempre admirei meus patrões, mesmo
sendo todo dia humilhado por eles. Jamais dei valor, é verdade, àquela
esquerdalha comunista que ficava na porta da fábrica falando de mais valia e
exército de reserva. Quando a Dilma foi eleita, disse: "Já deu para mim,
dois governos do sapo barbudo e agora vem essa mulher". Decidi ir para a
terra do Tio Sam. Juntei uns trocados e me mandei. Entrei pela fronteira
mexicana. Foi dureza, mas consegui. Acabei no Queens, em New York. Aqui fui
faxineiro, entregador de pizza, lavador de carro, yes, biscates.
Conheci uma venezuelana, Rosario, moradora
do mesmo bairro e também ilegal, numa festa no Bronx. Decidimos viver juntos
num cortiço na área central, onde a polícia dava batida diariamente atrás de
viciados e traficantes, barra pesada total. Vivia sem dinheiro, mas nunca
passei fome. Melhor ser livre para fazer o que quiser do que viver em um país
dominado pelo marxismo. Hoje lá, com toda certeza, seria chamado de pobre de
direita. Oh, my God, fuck anyone who thinks like that! Passado um tempo
após a minha chegada, não conseguia aprender a língua local e estava esquecendo
a minha. Hoje domino bem o inglês, mas terei que dar conta do português
novamente, it's life, right? Em 2015, nasceu nosso filho Bob, nossa
sonhada garantia de ficar aqui. Agora estamos dentro do avião.
Na hora que o asa-dura levantou voo,
Rosario chorava feito criança, com Bob tentando consolá-la. Tememos ser
separados pela diplomacia norte-americana quando chegarmos ao Brasil e ela ter
que voltar à sua terra natal, dominada pelo ditador Maduro. O jus soli a que
Bob tinha direito, babau. Mesmo não podendo votar e apesar do que estou
passando, sempre idolatrei o Trump, o cara que, se pudesse, gostaria que fosse
presidente eterno dos EUA. Sua parceria com o Musk, o Bezos e o Zuckerberg fará
a América grande de novo. Quando chegar ao Brasil vou me ajuntar aos
bolsonaristas. Será que ainda estão acampados nas portas dos quartéis? Temos
que colocar o Mito de novo no poder. Súbito, somos informados que o avião teve
um problema e vai pousar em Manaus. Shit!
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 27/01/25. Vida & Arte. p.2.
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