Por Patrícia Soares de Sá Cavalcante (*)
Apagaram-se as luzes. Minha expectativa era
ver Vanessa da Mata interpretar Clara Nunes. Vozes encantadoras, dança, macramê
e o "azul que não era do céu, nem era do mar" brilharam diante de
mim. Os artistas subiram ao palco pelos corredores do teatro, criando uma
conexão imediata com o público. Olhei para meu vizinho, um recém-conhecido na
plateia, e questionei: "O microfone da Vanessa está baixo?" Na
realidade, a voz de Vanessa da Mata é muito aguda, enquanto a de Clara Nunes
era mais grave, o que, a meu ver, deixou-a mais contida na apresentação. Sua
voz soava bela entre tantas outras magníficas, mas não havia destaque.
Chamou minha atenção uma das integrantes do
espetáculo, visivelmente emocionada durante uma canção e, logo depois, dançando
com grande alegria. Quanta entrega em sua interpretação!
A cena me trouxe à memória uma carta que
viralizou na internet há alguns anos, escrita pela mãe de uma violinista e
endereçada à direção da escola onde sua filha estudava. O início da carta
dizia: "Minha filha deseja ser o segundo violino. Não a primeira, nem
solista; o que ela quer é tocar suavemente ao fundo, pois isso a faz
feliz." Essa moça deve ser, sem dúvida, uma exímia violinista que entende
que o seu papel é fundamental na harmonia da orquestra.
Afinal, o que caracteriza a excelência na
prática de algo? Ser o melhor dentro de um grupo? E, como definir quem é o
melhor? Podemos ser excepcionais no que fazemos, mas isso não significa que
sejamos considerados os mais importantes, de acordo com nosso sistema de valores
e crenças. Não estou advogando a favor da mediocridade; entretanto, a procura
incessante por ser superior alimenta um espírito de competição, e o desejo de
competir jamais deve sobrepujar o desejo de pertencimento. Segundo John Donne,
"nenhum homem é uma ilha completa em si mesma. Todo homem é um pedaço de
continente, uma parte da terra firme".
Naquela noite, o grupo inteiro, afinado,
brilhou e celebrou com alegria. E, aquela jovem de nome desconhecido, imagino
que saudosa de alguém, "guerreira que não é de brincadeira, molhou o pano
da cuíca com suas lágrimas e sambou a noite inteira."
(*) Médica
psiquiatra.
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 3/12/2024.
Opinião. p.18.
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