Por
Romeu Duarte Junior (*)
Como Fortaleza anda quente nesta quadra de pré-estação chuvosa!
Irônica como só ela, diria minha saudosa Tia Santinha: "Você chegou por
aqui hoje?". O certo é que está insuportável. Não há panetone, rabanada,
pernil ou outro acepipe natalino que sirva de refrigério à quentura desta época
do ano. A Cidade tem belas paisagens em seu litoral e no seu miolo, mesmo sem
possuir uma quantidade razoável de árvores. Fort City, a Loura Desarvorada do
Sol, onde há um astro-rei para cada vivente. Pelo painel de cobogó do
escritório, vejo gente na sombra do poste aguardando o consultório abrir. Mais
à frente, um grupo de pessoas disputa o esquálido sombreiro do abrigo de
ônibus, esperando o coletivo que não vem. "Quem tem janelas, que fique a
espiar o mundo", bem diria o poeta.
Conquanto possuidora de um arvoredo insuficiente, a cidade assiste,
olímpica, aos espécimes vegetais do seu pobre acervo sofrerem com a omissão e o
descaso. O rabugento benjamim plantado à porta da minha casa, fulo da vida,
segredou-me dia desses: "Como se não bastasse os cães e gatos da redondeza
mijarem e obrarem no meu pé e os imbecis da vizinhança jogarem sacos de lixo à
minha volta, ainda tenho que aturar a falta de poda e o empachamento das muitas
fiações. Será a minha vingança desabar sobre a sua morada?!". Pois é, a
infeliz planta da família das Moráceas tem toda a razão. Sua copa enorme e
esgalhada clama há muito por um desbaste. Fios de energia elétrica, telefonia e
internet se emaranham em sua densa folhagem. O que poderia ser belo, babau...
Boa parte da paisagem urbana é composta pelo espaço público, que
não é meu nem seu, é de todo mundo. Como sói ser, a cada quatro anos elegemos
prefeitos e vereadores para cuidarem, no âmbito de suas responsabilidades,
desse lugar. Experimente solicitar da prefeitura a poda de uma árvore qualquer.
Quem o fizer, constatará que a burocracia foi criada para ser um fim em si. Na
mesma linha, as empresas concessionárias de serviços públicos, que operam seus
rendosos monopólios sem dar a mínima satisfação à sociedade que paga um absurdo
pelos seus péssimos serviços. O cidadão contribuinte, nesse cruel torvelinho,
acaba virando um dendroclasta, botando no chão o verde que ele queria verde.
Isso quando não são as intensas chuvas de verão que derrubam os pés-de-pau.
Todo ano é a mesma coisa. De tanto empurrarem com a barriga, o
executivo municipal e o trade monopolista, quando acontecem as tragédias, ficam
jogando a batata quente um para o outro. Quem se lasca nessa safadeza sabemos
muito bem quem é. A partir de 1º de janeiro de 2025, teremos um novo alcaide e
novos edis. Que façam o que prometeram cumprir ao povo desta malfadada urbe, a
começar pelo cuidado com a paisagem urbana, deixando de lado baboseiras tais
como taxa de lixo, Réveillon meia-boca e óculos juliette. Na campanha, todos os
candidatos teceram loas à condição de Fortaleza como a 4ª metrópole do Brasil.
Pois que trabalhem com esse lema na cabeça. Natureza e cultura destruídas, o
meio ambiente dilapidado, é igual ao IJF sucateado e sem remédios. Melhorem!
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 16/12/24. Vida & Arte. p.2.
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