quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

INÚTIL PAISAGEM

Por Romeu Duarte Junior (*)

Como Fortaleza anda quente nesta quadra de pré-estação chuvosa! Irônica como só ela, diria minha saudosa Tia Santinha: "Você chegou por aqui hoje?". O certo é que está insuportável. Não há panetone, rabanada, pernil ou outro acepipe natalino que sirva de refrigério à quentura desta época do ano. A Cidade tem belas paisagens em seu litoral e no seu miolo, mesmo sem possuir uma quantidade razoável de árvores. Fort City, a Loura Desarvorada do Sol, onde há um astro-rei para cada vivente. Pelo painel de cobogó do escritório, vejo gente na sombra do poste aguardando o consultório abrir. Mais à frente, um grupo de pessoas disputa o esquálido sombreiro do abrigo de ônibus, esperando o coletivo que não vem. "Quem tem janelas, que fique a espiar o mundo", bem diria o poeta.

Conquanto possuidora de um arvoredo insuficiente, a cidade assiste, olímpica, aos espécimes vegetais do seu pobre acervo sofrerem com a omissão e o descaso. O rabugento benjamim plantado à porta da minha casa, fulo da vida, segredou-me dia desses: "Como se não bastasse os cães e gatos da redondeza mijarem e obrarem no meu pé e os imbecis da vizinhança jogarem sacos de lixo à minha volta, ainda tenho que aturar a falta de poda e o empachamento das muitas fiações. Será a minha vingança desabar sobre a sua morada?!". Pois é, a infeliz planta da família das Moráceas tem toda a razão. Sua copa enorme e esgalhada clama há muito por um desbaste. Fios de energia elétrica, telefonia e internet se emaranham em sua densa folhagem. O que poderia ser belo, babau...

Boa parte da paisagem urbana é composta pelo espaço público, que não é meu nem seu, é de todo mundo. Como sói ser, a cada quatro anos elegemos prefeitos e vereadores para cuidarem, no âmbito de suas responsabilidades, desse lugar. Experimente solicitar da prefeitura a poda de uma árvore qualquer. Quem o fizer, constatará que a burocracia foi criada para ser um fim em si. Na mesma linha, as empresas concessionárias de serviços públicos, que operam seus rendosos monopólios sem dar a mínima satisfação à sociedade que paga um absurdo pelos seus péssimos serviços. O cidadão contribuinte, nesse cruel torvelinho, acaba virando um dendroclasta, botando no chão o verde que ele queria verde. Isso quando não são as intensas chuvas de verão que derrubam os pés-de-pau.

Todo ano é a mesma coisa. De tanto empurrarem com a barriga, o executivo municipal e o trade monopolista, quando acontecem as tragédias, ficam jogando a batata quente um para o outro. Quem se lasca nessa safadeza sabemos muito bem quem é. A partir de 1º de janeiro de 2025, teremos um novo alcaide e novos edis. Que façam o que prometeram cumprir ao povo desta malfadada urbe, a começar pelo cuidado com a paisagem urbana, deixando de lado baboseiras tais como taxa de lixo, Réveillon meia-boca e óculos juliette. Na campanha, todos os candidatos teceram loas à condição de Fortaleza como a 4ª metrópole do Brasil. Pois que trabalhem com esse lema na cabeça. Natureza e cultura destruídas, o meio ambiente dilapidado, é igual ao IJF sucateado e sem remédios. Melhorem!

(*) Arquiteto e professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 16/12/24. Vida & Arte. p.2.

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