Por Márcia Alcântara Holanda (*)
Domingo passado, Rita ligou dizendo que
sentiu a pancada da velhice. Teve uma crise grave de hipertensão arterial
(HSA), foi internada e recebeu alta no dia seguinte com prescrição de medicação
de uso contínuo e recomendação de mudança no estilo de vida. Uma mina explosiva
estava instalada em seu sistema arterial e ameaçou detonar, quem sabe, no
cérebro, levando-a a paralisias corporais.
Combinamos caminhar na Beira Mar para
hablar sobre isso. Logo falei:
"Rita, no envelhecimento, a vida pode
seguir tranquila, mas com cautela. Afinal, podemos tropeçar e cair, pois o
equilíbrio já está minado pela idade. Às vezes, falta memória até para achar os
óculos que já estão no rosto."
Rita respondeu:
"É o corpo que desvela a velhice, não
é?" — citando a frase célebre de Simone de Beauvoir, no livro A Velhice.
"Sim," disse eu. "São
dezenas de espécies de minas explosivas e destrutivas que, de um momento para
outro, se instalam nos sistemas corporais ao longo da vida. Elas vão da
hipertensão ao diabetes, das doenças cardíacas às demências. As defesas se
arrastam em câmara lenta para controlar, por exemplo, uma simples infecção
viral, que pode detonar uma 'mina' de infecção grave, às vezes levando-nos à
morte, como na COVID-19."
Na juventude, o corpo é quase infalível. Na
velhice, porém, nossas escolhas — os momentos de alegria, felicidade, tristeza
extrema e infelicidade — armam as tais minas de alto poder explosivo, como a
HSA. Cada sensação deixa sua marca. Entre bons e maus eventos, há
"minas" plantadas no solo das nossas vidas, muitas vezes por nós
mesmos, pela sociedade consumista ou, simplesmente, pelo desgaste natural das
células com o envelhecimento. Quase todas — do desequilíbrio que leva à queda
até uma demência — podem ser desativadas. Um exemplo? O controle da asma,
possível com drogas específicas ou apenas com a eliminação de irritantes
inalatórios ambientais (Global Initiative for Asthma, GINA 2023).
Rita, efusiva, disse:
"Dear, nem tudo é esforço e
sofrimento. O corpo envelhecido também é conhecimento e liberdade. A liberdade
radical de Sartre nos dá a maior chance de viver como queremos, gostamos e
podemos. Nossa escolha é absoluta. Cabe-nos fazê-las com estilo e autocuidado!
O corpo nos ensina a respeitar limites, a valorizar momentos simples, como a
brisa no rosto que vem desse mar, ou o esplendor de uma conquista, por menor
que seja. O risco sempre estará presente, mas basta reconhecê-lo e
controlá-lo."
Riobaldo já advertia:
"Viver é muito perigoso" (Grande
Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa, 1956). É maravilhoso!
Encerramos a caminhada. Rita então
perguntou:
"Bora tomar uma cervejinha?"
E eu respondi:
"Mulher, uma deliciosa, supergelada
cervejinha sem álcool vai bem para brindarmos à nossa velhice!"
Chegando em casa, veio o banho relaxante,
seguido de uma sopa nutritiva e um pãozinho fresco. Tudo isso com um olhar
atento por onde pisar, desviando-nos das nossas "minas explosivas".
(*) Médica pneumologista; coordenadora do
Pulmocenter; membro honorável da Academia Cearense
de Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 1/12/2024. Ciência & Saúde. p. 16.
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