Até carro-pipa veio ajudar no
banho de Juçara
O
exagero do cearense legítimo prejudica. Tudo que é demais da conta lasca, mas o
caso do perfume e da beleza de Juçara, sempre muito asseada, é emblemático, se
aludimos à característica nossa de tudo multiplicar por dez ao quadrado, vezes
20 vezes até o infinito. Para melhor ilustrar, vide o caso do mulheril menos
abonitado da comunidade onde se deu o presente episódio. Haja confusão.
Morrendo de inveja dos predicados naturais de Juçara, 15 senhoras da igreja
providenciaram cortar o mal pela raiz.
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Que mal? Que houve de tão cismativo nessa garota para provocar a ira das
senhoras?
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Não foi o sestroso rebolado, tampouco o rosto angelical. O que lascou
religiosas era a donzela sempre muito asseado, bem banhadinha, cheiro de
lavanda por onde passava - informa J. Crocodilo Maria, testemunha do fato, que
tem detalhes.
-
A pele limpa e o cabelo arrumado de Juju arrasavam, estocando as senhoras.
-
Entendi, o ciúme delas disparou a peleja.
-
Na verdade!
Eis
que, súbito, o macharal do Arraial passou a observar de mais perto o
desabrochar da mulher que até há pouco habitava a inocência da menina Juçara. E
as esposas dos "caba véi" ficaram em pé de guerra. O nome de Juçara
era mais comentado que o dia de liberação do Bolsa Família reajustado em 50%.
Crocodilo também sofreu: "Carmosa, minha nega, também se invocou comigo,
logo eu, que até pra urinar hoje em dia dou trabalho. Tu precisava conhecer
Juçara! Ah mulher mais ou menos aquela!"
-
Onde a gota d'água da querela, Jota? Por Santo Antônio da Saboneteira, me fale!
-
A insegurança doméstica das 15 donas de casa fê-las ir à prefeitura
reclamarem-se.
-
Precisamente de que?
-
Do açude que tava secando!!!
Dos
encantos de Juçara a incomodarem, do perfume de virar a cabeça do cristão
desprevenido, do andar "rebolativo" da moçoila, até aí dá pra
entender a antipatia das reclamantes, mas, o açude secando...
-
Estávamos num período de seca.
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Sim, reservatórios pedindo penico...
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As senhoras da igreja foram enredar ao prefeito, dizer que Juçara gastava um
açude e meio só num banho!
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Nossa Senhora dos Encardidos! E o gestor municipal?
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Ligou na hora pra Defesa Covil e pediu 15 carros-pipas!
O exemplo arrebata!
A
cidade inteira sabia que Justino era morto e vivo no cabaré Lagarta Pintada.
"Quenga e cachaça eram o barato dele", afirmavam. Que fazer pra
retirá-lo de lá? Prejuízos manifestos já rolando em casa, para tormento da
mulher e dos filhos. Desperdício de saúde e dinheiro, moral lá para baixo, o
péssimo exemplo que dava. Todos já haviam tentado fazê-lo sair daquilo, ninguém
conseguia. O escritório de Justino era a zona.
-
Nem o papa tira ele dali! - reclamava-se a esposa sofrida. - Tem mais jeito
não! Entreguei os pontos...
-
Posso fazer uma tentativa, Dinaura? - ofereceu-se padre Zé Mário.
-
Quem, pelo amor de Deus, para consertar o carga torta? Me fala, padre!
-
O Dr. Moacir! É muito amigo de seu marido! Um santo! Ou é no trabalho, ou na
academia em casa ou na igreja. Uma pomba sem fel.
-
Pois fale com ele, urge resgatar essa alma do inferninho!
Zé
Mário, o pudico, o imaculado, espera Justino sair do lupanar e o aborda,
solene.
-
Querido amigo! Por nossa amizade, te peço: largue mão do cabaré e volte pra
casa. Do fundo do coração, me atenda.
-
Ok, beleza. Mas tem uma condição: fale com o seu irmão Jurandir, que é morto e
vivo comigo no cabaré. Se ele sair, saio também!
Fonte: O POVO, de 20/12/2024. Coluna
“Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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