quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Saiba por que o "mercado" está reativo às mudanças na distribuição da renda

Por Alexandre Sobreira Cialdini (*)

O Brasil tem a segunda maior taxa de desigualdade de riqueza entre 56 países, ficando atrás apenas da África do Sul. Essa situação pode se agravar caso a sociedade organizada e as instituições não reconheçam que o atual grau de concentração de renda é insustentável. Sem enfrentar esse problema, o Estado não terá dificuldades em implementar políticas públicas que promovam um desenvolvimento equilibrado e inclusivo.

De acordo com o Relatório Riqueza Global 2024 (disponível em: <http://surl.li/oxcviu>), elaborado pelo banco suíço UBS, referência mundial em serviços financeiros, o patrimônio médio por adulto no Brasil cresceu mais de 375% desde a crise financeira de 2008, superando o México e a China. Ainda assim, o País tem a segunda maior taxa de desigualdade de riqueza entre 56 países (repetição proposital!) e a terceira maior taxa de juros do mundo, perdendo apenas para a Rússia e a Turquia.

Outros estudos do UBS (disponíveis em: <https://encurtador.com.br/HY6fP>) projetam um aumento de 22% no número de milionários brasileiros até 2028, totalizando 464 mil pessoas com patrimônio igual ou superior a US$ 1 milhão. Esse crescimento será impulsionado, em parte, pela transferência de riqueza de fundadores de empresas para a próxima geração. Pela primeira vez em nove edições do Relatório de Ambições de Bilionários do banco suíço, novos bilionários acumularam mais riqueza por meio de herança doque por empreendedorismo, refletindo uma baixa geração de valor adicionado. Em um único ano, US$ 150,8 bilhões foram herdados por 53 indivíduos em todo o mundo, superando os US$ 140,7 bilhões acumulados por 84 bilionários que construíram suas fortunas de forma independente.

Uma pesquisa recente da Genial/Quaest, realizada com 105 profissionais do mercado financeiro, revelou forte resistência às políticas tributárias propostas pelo governo federal. Entre os entrevistados, 96% acreditam que a economia está na direção errada, 90% avaliam negativamente o governo e 85% consideram prejudicial a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos. Para a maioria, o aumento da tributação para quem tem rendimentos acima de R$ 50 mil mensais (com 10% sobre o valor recebido) não trará benefícios à economia.

Mas por que essa reação? Porque o governo busca compensar quem tem renda superior a R$ 600 mil em favor dos que ganham até R$ 5 mil, visando recuperar uma perda de arrecadação estimada em R$ 35 bilhões. Ou seja, um bilionário que recebe R$ 10 milhões teria de pagar R$ 1 milhão. É disso que o “mercado” não gosta.

Contudo, os números da economia contrariam essa reatividade do “mercado”, formado por cerca de 140 instituições financeiras responsáveis pela produção do Boletim Focus. A pesquisa da Genial/Quaest não considerou que a pobreza extrema caiu de 31,6% para 27,4%, o que representa, em termos absolutos, uma redução de 67,7 milhões para 59 milhões de pobres extremos. Os pessimistas também ignoraram que o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2024 teve alta de 0,9% e que, no acumulado anual, o crescimento de 2024 pode chegar a 3,3%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além disso, o “mercado” também errou em suas previsões para o crescimento da economia em 2023, apostando em uma expansão de 0,8%, conforme estimativa do pelo Fundo Monetário Internacional. Na realidade, o Brasil registrou um crescimento de 2,9% no PIB, superando as expectativas pessimistas. A taxa de desemprego também contrariou as previsões, atingindo 6,2% no trimestre encerrado em outubro de 2024, a menor desde o início da série histórica, em 2012.

Concluo com uma reflexão do economista Delfim Neto: “Para o mercado funcionar, ele tem que ter um mínimo de moralidade. E a moralidade no mercado vem da igualdade de oportunidades”.

(*) Mestre em Economia e doutor em Administração Pública e Secretário de Finanças e Planejamento do Eusébio-Ceará.

Fonte: O Povo, de 12/12/24. Opinião. p.17.

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