Por Izabel Gurgel (*)
A lapinha da capelinha da Matriz de Nossa Senhora da Expectação, em
Icó, será aberta amanhã, dia 9, às 18h30min. Até 6 de janeiro, a bem dizer,
será a mais visitada da cidade.
Dá para contar bonito a história do lugar através da montagem
realizada desde 1996 pelos gêmeos Márcio e Marciano Tavares. Dá para ouvir ali
histórias da cidade, no ir e vir de gente de quase todas as idades, em sua
maioria moradores. A partir de terça, estará aberta nos três turnos, até dez da
noite.
Os gêmeos aprenderam a cuidar da lapinha, tornando-a ofício e
devoção, com Almério Silva (1924-1996), o padrinho, então responsável pelo
presépio na capela nos fundos da igreja matriz.
Agora em 2024, Almério faria 100 anos de nascimento. Os gêmeos
completaram 50. Como obra coletiva, a lapinha tem um tempo que abarca o que
pode vir a ser. Como era antes do professor e servidor público Almério Silva
fazer dela uma incontornável tarefa?
Ouvir Josefa Pereira Tavares, mãe dos gêmeos, sobre o tema, faz
nascer na imaginação um trancelim, uma quase dança do pau-de-fitas. Dona
Zefinha, que nasceu em 1946, nomeia gentes e passagens de presépios de uma mão
à outra até desaguarem no compadre feito maestro da capelinha - lapinha, como o
Salgado, o rio em cuja ribeira o arraial foi construído, desagua no Jaguaribe.
Hoje quero anotar só três nomes da dramaturgia mais recente da
lapinha. Chegaram até mim por outras vozes. Da vizinhança de Almério, Zefinha e
o marido Tota, Francisco Tota Tavares, moradores da rua do Meio, o nome de
Geralda de Barros, Geralda da Conceição. De profissão engomadeira, Lalá era a
guardiã, o ano inteiro, de parte da lapinha desmontada.
Por ordem alfabética, Luiz Gonzaga de Oliveira é o segundo nome.
Torneiro mecânico, servidor do antigo Dner, instituição na qual Almério
trabalhou, Seo Luiz Gonzaga (1931-2004) tinha gosto pela criação artística,
como nos conta Simão Pedro, filho caçula, nascido em 2001, do segundo
casamento, o casamento com Fátima Pinheiro Dias de Oliveira. Seo Luiz Gonzaga
miniaturizou edificações da cidade que contextualizam em Icó a cena ampliada do
presépio.
Maria Eliete Bezerra Valentim, o terceiro nome, há anos sobrevoa a
encenação pública do nascimento de Jesus na rua do Meio. Ela fez o figurino dos
anjos voadores. Nova legião de anjos por ela vestidos entra em cena, doados
pela filha Irismar. Esse ano, pela primeira vez, Irismar montou na casa dos
pais, na antiga rua Larga, a lapinha à qual Dona Eliete (1950-2021) dedicou
mais de 30 anos. Era montada em duas salas, a bem dizer um cinema junto à
cozinha.
Em 2021, Marismar, Edmar, Ismar, Irismar e Deuzimar não puderam se
despedir do irmão José Osmar; da mãe, Dona Eliete; e do pai, Seu Josimar, José
Pinheiro Valentim; três vítimas da pandemia de covid-19 e do governo então
instalado no País. Um dos sete filhos, Eliomar, já havia partido. Sabiamente,
Dona Eliete transformou em anjo da lapinha de casa a neta Thais, que se
encantou em 2018.
Icó, patrimônio histórico tombado pelo atual Iphan, tem um
dispositivo de encontro anualmente acionado no encadeamento de festas
religiosas celebradas em dezembro. Elas desaguam em janeiro. A lapinha da
capelinha é um ímã cujo campo magnético faz vibrar o ciclo de vida - morte -
vida. Aquele que nos abraça no mistério, o único para sempre incessantemente
renovado.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 8/12/24. Vida & Arte, p.2.
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