quarta-feira, 30 de abril de 2025

SOLIDARIEDADE FISCAL

Por Alexandre Sobreira Cialdini (*)

"Solidariedade fiscal: desmistificando o nível de tributação e seu impacto no crescimento econômico" é o título do estudo que escrevemos em parceria com os pesquisadores Pedro Humberto e Cláudia De Cesare. Publicado pela editora Contracorrente, o trabalho apresenta uma análise da arrecadação tributária e do gasto público no contexto internacional, comparando o Brasil com 126 países.

Os principais indicadores utilizados foram a arrecadação tributária e o gasto público como percentual do Produto Interno Bruto (PIB) e em dólares internacionais por habitante. Também analisamos a participação dos governos estaduais, as diferentes classes de incidência e as principais espécies tributárias na arrecadação. De forma semelhante, examinamos o gasto público desagregado por função.

Além das comparações individuais, os países selecionados foram classificados em quatro grupos: Grupo 1 - países de economias avançadas da Europa e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), exceto o Chile; Grupo 2 - todos os países latino-americanos; Grupo 3 - demais países de renda média alta; e Grupo 4 - demais países de renda média baixa e baixa.

A arrecadação tributária brasileira representou 31,9% do PIB em 2019 e registrou um crescimento de 5,6% entre 2000 e 2020. Entre os países analisados, o Brasil ocupou a 30ª posição no ranking da arrecadação tributária como percentual do PIB e o 3ª lugar em relação aos países latino-americanos.

Além da baixa progressividade, identificamos que o Brasil tributa de maneira reduzida os rendimentos financeiros e os ganhos de capital, aplicando uma alíquota de 15% na maioria dos casos. O País também isenta o rendimento de lucros e dividendos, enquanto, nas nações do Grupo 1, a tributação média na fonte sobre rendimentos de capital, incluindo juros, dividendos e ganhos de capital, foi de 23%.

Entre 2000 e 2021, o Brasil teve um indicador médio de arrecadação tributária (32% do PIB oficial) similar ao dos países do Grupo 1 (34% do PIB oficial). No entanto, estimativas do Banco Mundial indicam que a economia informal brasileira é muito mais elevada. Quando se considera o PIB real - ou seja, a soma do PIB oficial com a estimativa do peso do setor informal na economia -, a diferença entre a arrecadação tributária média do Brasil (23% do PIB real) e do Grupo 1 (29% do PIB real) se amplia.

A arrecadação tributária per capita - ou seja, o quanto o estado disponibiliza em recursos tributários para o cidadão - também desmistifica a falácia da "alta carga tributária brasileira". Em dólares por paridade de poder de compra (preços constantes de 2017), a arrecadação média per capita no Brasil (Int$ 4.406) representa apenas 30% da média dos países desenvolvidos.

Os resultados escancaram o enorme abismo entre a disponibilidade de recursos por cidadão para investimentos em políticas públicas no Brasil e nos países de alta renda. Esse estudo desmistifica a ideia de que o Brasil possui uma alta arrecadação tributária em PIB comparável à dos países avançados e desmonta o mito de que reduzi-la facilitaria investimentos.

(*) Mestre em Economia e doutor em Administração Pública e Secretário de Finanças e Planejamento do Eusébio-Ceará.

Fonte: O Povo, de 3/04/25. Opinião. p.17.


terça-feira, 29 de abril de 2025

O MAR E A BRISA

Por Patrícia Soares de Sá Cavalcante (*)

Sentei ao piano para tocar "Eu e a Brisa", de Jony Alf.  Ao olhar minha partitura, uma cópia da partitura de minha professora datada de 1984, observei o recadinho de um amigo dela: "Para não se esquecer de mim". Sorri. Sempre que ouço essa música, fico emocionada. Já me sensibilizava ao ouvir minha irmã Paula tocá-la, numa época em que era familiarizada apenas com sua melodia.

Hoje, além da melodia, guardo intimamente sua letra comigo. "Ah, se a juventude que essa brisa canta... ficasse aqui comigo mais um pouco... eu poderia esquecer a dor... de ser tão só... pra ser um sonho..."

Comecei a cantarolar e fiquei com essa frase na cabeça: "a dor de ser tão só..." Então, pensei no inverso, na solidão da dor de cada um de nós.

O sofrimento é algo profundamente íntimo e solitário. O início célebre de "Anna Kariênina", de Tolstói, diz o seguinte: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira". Portanto, cada um de nós sofre à sua maneira.

No último final de semana, assistindo a uma entrevista do Chico Anysio, com meus pais, no antigo programa "Roda Viva", fiquei surpresa ao saber que ele também era pintor. Suas pinturas geralmente continham imagens do mar.

Ele não retratava a figura humana. Um dos entrevistadores perguntou-lhe se ele não tinha receio de que o público o criticasse, afirmando que todos os seus quadros eram semelhantes. Ele, inteligentemente, respondeu: "Nunca é igual." E complementou: "As duas coisas de que mais tenho medo são o mar e a solidão."

Ele expressava, através do que pintava, o que mais o assustava. E fiquei pensando que a solidão dele era imensa, assim como o mar, portanto, seus quadros jamais seriam iguais; e, se outro artista expressasse sua solidão através da imagem do mar, teríamos outras infinitas representações.

Voltando à música, o verso que mais me toca é o seguinte: "Fica... oh brisa fica, pois talvez, quem sabe... o inesperado traga uma surpresa..." O "fica" é uma oitava decrescente. O som é tão belo, soa quase como uma súplica.

Aqui estamos nós, cada um com seu mar à espera de uma brisa, desejo que, quando ela surja, seja suave e leve.

(*) Médica psiquiatra.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/03/2025. Opinião. p.20.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Hospital Universitário do Ceará será dirigido por professora de Medicina da Uece

Por Kleber Carvalho, jornalista de O POVO

A médica-cirurgiã e professora do curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Ivelise Regina Canito Brasil, será nomeada diretora do Hospital Universitário do Ceará, inaugurado na última quarta-feira, 19, em Fortaleza.

A decisão foi comunicada através do perfil da Uece no Instagram durante a noite desta sexta, 21. Ivelise já havia conversado com O POVO um dia após a inauguração da unidade.

Em seu currículo, Ivelise acumula a direção do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC). Ambos os equipamentos são vinculados à Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa).

Na academia, a nova diretora já ocupou os cargos de coordenadora do curso de Medicina, diretora do Centro de Ciências da Saúde (CCS), além de ter criado a Especialização e o Mestrado Profissional em Transplantes da instituição.

Graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Ivelise é doutora em Cirurgia e Anatomia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).

Ao assumir o cargo, a gestora afirmou que o Hospital Universitário deverá ter o protagonismo no atendimento em saúde do Estado, além de fomentar a capacitação de novos profissionais.

“A expectativa é que seja o maior complexo de assistência e formação em saúde na atenção terciária, no estado do Ceará, devendo também gerar tecnologia em saúde e pesquisa clínica”, ressalta a diretora, em nota.

Além da direção-geral, o hospital contará com a gestão da Uece em sua Diretoria de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde, conforme a Lei Complementar 347/2025, que altera a Lei Complementar nº 280/2022, responsável pela criação do Sistema Estadual de Integração e Cooperação Acadêmica Hospitalar (SICAH/CE).

Hospital Universitário do Ceará (HUC), localizado no bairro Itaperi, foi inaugurado nesta quarta-feira 19, feriado de São José. Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, os atendimentos de pacientes com perfil de UTI começam a funcionar ainda hoje. Na quinta-feira, 20, começam as consultas nos ambulatórios.

A partir das 21h, 15 pacientes serão regulados para a unidade. São leitos 159 em funcionamento. Até abril, mais leitos devem ser habilitados. Ao todo, o Hospital Universitário do Ceará (HUC) terá mais de 830 leitos, sendo 652 leitos principais e 180 leitos complementares.

Nesta primeira fase de funcionamento, inicia com serviços especializados em Cirurgia Vascular, Oncologia (Clínica e Cirúrgica), Hematologia, Urologia e Cirurgia Cabeça e Pescoço. Segundo Padilha, hospital será um dos primeiros do Nordeste a realizar transplante de fígado pediátrico.

Também conta com Centro de Imagem completo, com ressonância magnética, tomografia computadorizada, hemodinâmica, ultrassonografia, ecocardiograma e eletrocardiograma.

Como unidade de saúde de atenção terciária, o HUC funcionará recebendo pacientes via Central de Regulação.

O novo hospital tem uma área de 78,6 mil metros quadrados com três torres (Clínico, Cirúrgico e Materno-Infantil) e sete pavimentos. O investimento para construir e equipar o equipamento foi de R$ 667,71 milhões.

Bloco cirúrgico é composto por tomografia computadorizada, ressonância magnética, hemodinâmica, Pet-CT, cintilografia, ultrassonografia, ecocardiograma e eletrocardiograma. Quando o HUC estiver em pleno funcionamento, serão ofertadas mais de 30 especialidades em 56 consultórios.

Participaram da solenidade também o governador Elmano de Freitas, o presidente Lula, o ministro da Educação, Camilo Santana, e o prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/03/2025. Notícias. p. 10.

GERANDO MORTES

Por Rev. Munguba Jr. (*)

É impressionante que, em pleno século XXI, ainda tenhamos de falar sobre o desejo incontrolável de alguns indivíduos e grupos em promover a morte.

Em algumas nações, cristãos são perseguidos por professarem sua fé. Perdem seus bens, são separados de suas famílias, forçados a viver em campos de "reeducação" e, se persistirem em sua crença, são exterminados.

Pelo menos duas vertentes do pensamento humano ainda agem conforme esse modus operandi: os radicais islâmicos e os radicais comunistas. Eles discriminam com base na fé e na diferença, impondo uma visão de sociedade que serve como única referência para suas ideologias.

O que pensar sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia? Centenas de soldados morrem todos os dias, obrigados a entrar em um verdadeiro moedor de carne humana, onde as motivações parecem não ter fundamento.

Hoje também existe outro tipo de holocausto: o desequilíbrio nas contas públicas, que provoca a alta da inflação e o descrédito dos investidores internacionais. Quem investiria em um país que não é capaz de gerir bem sua economia?

Parcelar as compras do supermercado e não conseguir honrar os pagamentos básicos de uma família é uma forma de morte.

A insegurança jurídica, a quebra de confiança, as mentiras e as narrativas distorcidas têm destruído a confiança da maior parte da comunidade internacional no Brasil.

Todo ano, no Brasil, um milhão e meio de nossos compatriotas deixam de respirar. Desses, cerca de trinta e oito pessoas abandonam a luta e põem fim à própria vida a cada dia. Além disso, ainda contabilizamos mais de dois mil e quinhentos abortos realizados no SUS, tendo o estupro como causa.

Precisamos nos posicionar a favor da vida, pois somos responsáveis pelo tempo que passamos neste planeta. Não podemos ficar em silêncio diante da dor e da perseguição que nossos irmãos estão enfrentando.

Radicais islâmicos e comunistas perseguem e matam cristãos, enquanto um desgoverno persegue e mata uma nação. Destrói sonhos com lojas fechadas, apaga o brilho do empreendedorismo, desmotiva o crescimento e enterra o futuro.

Vamos, juntos. gerar vida, amor, carinho, aceitação, paciência, prudência, honestidade e uma gestão competente de tudo o que cair em nossas mãos.

(*) Pastor Munguba Jr. Embaixador Cristão da Oração da Madrugada e Erradicação da Pobreza no Brasil e presidente da Igreja Batista Seven Church.

Fonte: O Povo, 15/03/2025. Opinião. p.16.


domingo, 27 de abril de 2025

A ALEGRIA DA RESSURREIÇÃO

Por Pe. Reginaldo Manzotti (*)

Neste mês celebramos a Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, a maior vitória da história da salvação.

A Páscoa da Ressurreição do Senhor é o ponto central do cristianismo, celebrando a ressurreição de Jesus Cristo. Após sua paixão e morte na cruz, Jesus triunfa sobre a morte e o pecado, abrindo para nós as portas da vida eterna. Na Páscoa, celebramos a vida que nos é dada em Cristo.

A Ressurreição de Jesus nos dá a esperança de que, assim como Ele venceu a morte, nós também venceremos.

Após a ressurreição, Jesus se apresenta aos seus discípulos com um gesto de paz e misericórdia, dizendo: "A paz esteja convosco!" (Jo 20,19). É neste contexto de paz e misericórdia que celebramos também a Festa da Divina Misericórdia, no segundo domingo da Páscoa.  Esta Festa foi instituído pelo Papa São João Paulo II em 2000. Ele atendeu ao pedido do próprio Jesus revelado a Santa Faustina Kowalska, que nos convidou a confiar na infinita misericórdia de Deus.

No Domingo da Divina Misericórdia, somos convidados a fazer uma experiência renovada do perdão e a refletir sobre a grandeza do amor misericordioso e incondicional de Deus, que perdoa os nossos pecados e nos acolhe em seus braços.

Não importa o que tenhamos feito ou o quanto tenhamos falhado; a misericórdia de Deus nos envolve e nos convida à reconciliação.

Podemos dizer que a Páscoa e o Domingo da Misericórdia estão profundamente conectados. A ressurreição de Jesus é a máxima expressão do amor e da misericórdia de Deus. Ao ressuscitar, Jesus nos mostra que o amor é mais forte que a morte, e que a misericórdia é a chave para a vida eterna.

Filhos e filhas, a misericórdia divina é como um rio que nunca seca. E o convite de Jesus é simples: "Confiai em Mim. Eu sou a fonte de toda misericórdia". Ao celebrarmos a Páscoa e o Domingo da Divina Misericórdia, renovemos nossa confiança em Seu amor e deixemos que a Luz da Ressurreição inunde nossos corações. Que elas nos encham de alegria, de esperança e de amor. E que, fortalecidos por elas, sejamos determinados a viver como discípulos de Cristo, instrumentos de sua misericórdia, levando Sua Luz, a paz e a alegria da salvação a todos aqueles que encontrarmos em nosso caminho.

(*) Fundador e presidente da Associação Evangelizar é Preciso e pároco reitor do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba (PR).

Fonte: O Povo, de 19/04/2025. Opinião. p.14.

COMO DEUS ME OLHA?

Por Pe. Eugênio Pacelli SJ (*)

Vou confessar algo para você. Minha vida espiritual ganhou novo sabor quando comecei a questionar: como Deus me olha? Carregava na minha experiência de fé imagens distorcidas de Deus e de seu amor por mim. Diz-me a imagem que tens de Deus e direi que tipo de cristão tu és. Fui, aos poucos, purificando essas imagens que não correspondiam ao Deus revelado por Jesus em sua forma de acolher, falar e proceder. Aos poucos fui saboreando este amor pessoal, incondicional e eterno.

Qual sua imagem de Deus? Como você se relaciona com Ele? Já se perguntou alguma vez como Ele te olha? Quantas vezes olhamos para nós mesmos e nos sentimos insuficientes? Somos rápidos em admitir nossas falhas, relembrar nossos erros e nos comparar com os outros. Convido você a se enxergar com os olhos de Deus.

No livro do profeta Isaías, Deus nos diz: "Tu és precioso aos meus olhos, digno de honra, e eu te amo" (Is 43,4). Essa é a verdade que deve ecoar em nosso coração. Deus não nos olha com julgamento ou condenação; Ele nos vê com amor, misericórdia e esperança. Deus não te olha como o mundo te olha. Ele não vê apenas a superfície, mas o profundo do teu coração. Ele conhece tuas lutas, teus sonhos, tuas dores e até teus erros e, ainda assim, te ama com um amor infinito. O olhar de Deus não é de condenação, mas de misericórdia.

Desde a criação, Deus nos fez à Sua imagem e semelhança (Gn 1,27). Isso significa que, aos olhos de Deus, cada um de nós carrega uma dignidade inegociável.

Muitas vezes, somos nossos maiores críticos. Enxergamos apenas nossas falhas, nossos erros, nossas limitações. Mas Deus olha além disso. Ele não nos define pelos nossos erros, mas pelo Seu amor.

Se Deus, que é perfeito, nos olha com misericórdia, por que tantas vezes insistimos em nos olhar com condenação? Lembre-se do que o Senhor disse no batismo de Jesus: "Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo" (Lc 3,22). Não importa o que o mundo diga ou como você se veja, para Deus, você é precioso e único. Ele te criou à Sua imagem e semelhança (Gn 1,27) e te conhece profundamente: "Antes de te formar no ventre materno, Eu te conheci" (Jr 1,5). Se Deus, que é perfeito, te olha com amor e paciência, por que você não pode fazer o mesmo por si?

(*) Sacerdote jesuíta e mestre em Teologia. Escritor. Diretor do Mosteiro dos Jesuítas de Baturité e do Polo Santo Inácio. Fundador do Movimento Amare.

Fonte: O Povo, de 5/04/2025. Opinião. p.16.

sábado, 26 de abril de 2025

Papa Francisco e o olhar para o outro

Por Pe. Francisco Alexandre Alves de Andrade (*)

O que esperar de um papa em tempos de indiferenças, preconceitos, ansiedades e medos? Talvez a pergunta pareça retórica, mas o que o mundo, mesmo aqueles que não são católicos, espera do sucessor de Pedro? O mundo sempre espera que ele seja um sinal, aponte para uma direção, um caminho.

O papa Francisco, como aquele que anuncia a Verdade, revelou-nos que o nosso olhar deveria erguer-se para ver além, muito mais além. Isso não como algo distante ou um ideal vazio, mas uma realidade objetiva: o outro. Mas quem seria esse outro? O evangelho de Mateus 25 nos diz: "Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me".

Este olhar para o outro fez-se história. Um dos muitos feitos do pontificado do papa Francisco que ilustram a grandeza e a consciência de sua missão voltada ao outro foi sua visita ao Aiatolá xiita Ali al-Sistani, na periferia da cidade de Najaf, sul do Iraque, em 6 de março de 2021. Enquanto bispo de Roma e sucessor do Apóstolo Pedro, consciente de seu dever apostólico, o papa foi a uma das zonas mais perigosas do mundo, pôs sua vida em risco e se encontrou com a grande autoridade espiritual e política do Iraque (pós-invasão dos EUA) para suplicar em favor da minoria cristã perseguida e das outras minorias religiosas presentes no território iraquiano.

Ele advogou em favor de uma Igreja Mártir e, consciente da universalidade da sua missão, interveio também por homens e mulheres de boa vontade que, mesmo não professando a fé cristã, são amados por Deus. Esta é a eloquência da vida que nada quer para si se não for antes toda para o outro. Não seria esse o caminho para a paz interior e exterior da humanidade? Não seria este o grande testemunho, verdadeiramente revolucionário, que o papa nos deixa?

O olhar de amor e misericórdia para o outro pode salvar a humanidade, pode curar os corações feridos em suas existências, pode nos levar à paz. Assim ensinou-nos Francisco: nada para mim, tudo para o outro. Que o mundo creia nesse testemunho dessa vida.

(*) Sacerdote católico da Arquidiocese de Fortaleza.

Fonte: O Povo, de 23/04/2025. Opinião. p.18.

FRANCISCO: O Papa Livre

Por Márcia Alcântara Holanda (*)

Poder-se-ia começar essas linhas perguntando: será que existe alguém que tenha sido livre, ou seja, livre?

A primeira coisa que surge na mente como resposta é: não, principalmente nesse mundo de globalização em que o consumo é que dita o nosso comportamento, especialmente no mundo ocidental.

Entretanto o Papa Francisco é livre. Poder-se-ia então perguntar: como pode um papa ser livre, se tem que seguir os trâmites protocolares de sua posição enquanto papa que obedece a rituais religiosos, rigores de Governo e Estado?

Papa Francisco, entretanto, é filosoficamente livre, e expressa isso muito bem, seja nas suas expressões faciais, comportamentais ou pelo uso da palavra.

Transpirou autenticidade quando sem medo se expos ao risco que as multidões imprimem principalmente se reprimidas: passou de carro aberto (janela abaixada) em frente à Central do Brasil, numa hora de muito movimento. Qual celebridade ou milionário passaria por ali senão em carro blindado, com vidros escuros e seus seguranças ao lado?

Demostrou santidade quando se pôs como ser humano livre: vestes simples, sem galões; alimentou-se do trivial; visitou uma casa simples, manifestou desejo de compartilhar da simplicidade referindo-se ao acolhimento com água fresca e cafezinho; abraçou calorosamente um droga–adicto, sem preconceito.

Seus olhos apertados e sorriso na face falavam de sua alegria, quando junto do povo. Quando os arregalava dizia de sua admiração, espanto, ora pelo belo, ora pela palavra de algum locutor também autêntico. E assim se mostrou livre nos sentimentos e emoções.

Visitou pessoas, abraçou quando desejou abraçar, falou o que quis dizer: essencialmente convocou Deus e expôs seus desejos em prol de todos.

Com desembaraço exibiu atitudes que mudam realidades, e para cada realidade que abordou apresentou o sentido da mudança, ou o que se pode chamar de fé.

O Papa Francisco deu a entender que se encontra em um grande processo em que se aprofunda e refina os atos de fé que lhes guia rumo a Deus.

Pediu humildemente oração para si, porque se sente humano e, portanto, capaz de falhar como tal, por isso precisa da força da oração.

A filosofia franciscana está com o Papa Francisco, adaptada aos tempos de hoje: o aceitar Deus, aventurar-se aos seus chamamentos e desafios, permitir que Deus penetre na sua vida que foi o que Francisco de Assis fez durante o processo de transformação durante toda sua existência (Daniel Spoto, em Francisco de Assis – O Santo Relutante).

Na despedida o Papa Francisco manteve-se livre quando disse que estava sentindo saudades de todos, dos atos que praticou e recebeu, como a estupenda acolhida do povo brasileiro ao seu chamamento.  Foi embora maravilhado.

(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro honorável da Academia Cearense de Medicina.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 5/08/2013. Opinião.

Nota do Editor:

Bom dia Marcelo

Se gostar, peço que poste esse artigo nas suas midias sociais!

Obrigada!

Márcia Alcântara

sexta-feira, 25 de abril de 2025

CONVITE - CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA (Páscoa e Missa mensal de Abril/2025)

“Cristo morreu, mas ressuscitou, e fez isso somente para nos ensinar a matar os nossos piores defeitos e ressuscitar as maiores virtudes sepultadas no íntimo de nossos corações. Que esta seja a verdade da nossa Páscoa.”

Pregador: Frei Glauber.

Data: Sábado, 26 de abril de 2025, às 8h30.

Local: Auditório do Hospital Gênesis – Av. Santos Dumont, 1.168 - Fortaleza.

É com muita alegria que contamos com a presença dos médicos e suas famílias.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Da Sociedade Médica São Lucas

 


Crônica: “Ô nome bonito pra quem sabe ler!” ... e outro causo

Ô nome bonito pra quem sabe ler!

Em gracejo conhecido, o matuto afirma saber gesticular o "Pelo sinal da Santa Cruz", mas não consegue dizê-lo. Por isso fala desabridamente: "Sei ispaiá na cara, com a mão, mas não sei o bodejado!" O mesmo se dá comigo, guardando as devidas proporções, em relação à escrita do nome de um afetuoso futuro afilhado meu na Itaipaba - Pacajus. Mas não tem nada não, como eu gosto muito do bichim, tenros cinco aninhos, vou treinar até aprender a escrever o nome dele. Juro que vou conseguir.

Esclareço: quando lhe fui apresentado pelo pai, compadre Mané Burrego, imaginei ter ali um serzinho comum, de tope trivial e designação fácil de grafar e memorizar, de prenome usual. Porém, quando me chegou pelo zap o convite do apadrinhamento da criaturinha, pensei tratar-se de algo mesopotâmico. Tão pequeno e singelo, como um bruguelo de nomão tão complicado, cheio de letras e símbolos? É o tempo, querida amiga, é o tempo. "Por seres tão inventivo e pareceres contínuo..."

Ao jogar a vista no nome do póbi, na tela do celular, lendo o pedido para que fosse o responsável por cuidar-lhe da educação cristã, perguntei ingênuo ao genitor:

- E quem é esse outro aqui que deverei ser o padrinho?

- É o mesmo, cumpade! Ora, ora, ora!

Pra ganhar tempo, sem nada entender àquela altura, mandei áudio:

- Tô zuruó do juízo! Quando o amigo me fala de seu filho, afilhado meu porvindouro, chama ele de Jurandir! E a escrita que tem aqui eu não entendo. Palavra de Deus!

- Mas é ele mesmo! Um tio dele on-line registrou o menino no cartório e disse que era assim!

Eu quis a prova dos noves, cismado até o novelo.

- Pois escreva o nome Jurandir, segundo esse tio dele!

- @Yhurãnn_thyir - o cumpade tornou a grafar.

- Como é que? Jura que isso aí é Jurandir?

- Juro que @Yhurãnn_thyir é Jurandir! Sabe ler não?

Carimã que endoida gente

É comum nomes de bichos se originarem doutros bichos, plantas, frutas, de gente. De peixe em cachorro é o pau que rola - Baleia, Piaba... Ultimamente, cachorro miúdo é Zé Maria, Mané Pêdo... Jumento? Pachola, Murufaia... Vaca é Estrela e Dengosa, Boi é Fubá e Pinguelão. E uma vaca acolá, de história demais invocada?!?

Seguinte é esse. Bonerges (14 anos), criado na casa de farinha da Fazenda Juriti, é o protagonista, responsável que era por tirar da mandioca a carimã. (Nota: no sítio vizinho havia uma vaca de nome Carimã, que ele não conhecia, desaparecida há dias.)

Pois bem. Havia seis dias que o brochote botara tubérculos de mandioca de molho, num pote. Casca amolecida, retirou a polpa e a esmagou com a mão, numa bacia. Passou o conteúdo na peneira, deixando cair o caldo noutra bacia e rebolando o bagaço fora, restando o líquido branco denso de mandioca. Colocou esse caldo aí num saco e deixou escorrer por três dias; no fundo do pano, ao final, repousava a famosa puba. Carimã pronta. Vendeu os três quilos do produto a seu Geraldo, doido por bolo de carimã.

Dona Penha, do sítio vizinho, proprietária da vaca sumida, passando pela casa de farinha, pergunta despretensiosa a Bonerges se ele tinha notícia da Carimã.

- Sim, tenho!!!

A mulher exulta, agradece a São Longuinho e pergunta onde se encontrava Carimã...

- Na casa de seu Geraldo, vai fazer um bolo dela!

Fonte: O POVO, de 28/03/2025. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.


quinta-feira, 24 de abril de 2025

Parabéns pra você, Santa Casa de Fortaleza

Por Vladimir Spinelli Chagas (*)

Em 14 de março de 1861, um sonho acalentado desde 1839 e iniciado em março de 1854 torna-se palpável, com a inauguração do prédio e instalação da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, que seria, de fato, implantada cinco dias depois, no Dia de São José, seu Patrono.

Em 1866, a Santa Casa passou a gerir o Cemitério São João Batista, um complexo de enorme riqueza histórica e cultural, que abriga túmulos de grandes vultos cearenses, na política, nas artes, nas ciências.

Durante essa tão profícua vida, a Santa Casa foi responsável por uma empresa funerária, inaugurada em 1876, pela Maternidade Dr. João Moreira e Casa de Saúde Dr. César Cals, ambas de 1928, que já não fazem parte da Irmandade.

Em 1877, a partir da visão de Mordomos da Santa Casa, resolveu-se criar uma unidade especializada em Psiquiatria, denominada de Asilo de Alienados e hoje Hospital São Vicente de Paulo, com atendimento humanizado, integralmente para pacientes SUS.

Em 1937, como forma de trazer novas fontes de recursos para a Santa Casa, foi criado o Pensionato Dr. Eduardo Salgado, hoje Casa de Saúde Dr. Eduardo Salgado, unidade hospitalar em pleno funcionamento e aberta a toda a população.

A Santa Casa foi responsável pela instalação do primeiro aparelho de Raio X, da primeira ala para tuberculosos, do primeiro pronto socorro e ambulatório. Na realidade, dela nasce, de fato, a Medicina cearense, reunindo nomes que fizeram história e são até hoje cultuados.

Fica muito clara a importância da Santa Casa na saúde cearense, quando compulsamos os dados entre 2014 e 2024, com números expressivos como 2,2 milhões de exames e diagnósticos, 116,7 mil cirurgias, 414,9 mil consultas e 46,5 mil internações.

E esses números só não são ainda mais robustos porquanto, nesse intervalo, convivemos com uma pandemia e, no último ano, com a dramática redução de atividades, dadas as dívidas que se acumulam por conta das perdas mensais provocadas pelo subfinanciamento de seus procedimentos: 95% de pacientes SUS e, destes, mais de 70% na deficitária média complexidade.

Vamos continuar salvando vidas? A Santa Casa sabe como.

(*) Professor aposentado da Uece, membro da Academia Cearense de Administração (Acad) e conselheiro do CRA-CE. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/03/25. Opinião. p.20.

Quem não comunica, se trumbica

Por Sofia Lerche Vieira (*)

O comunicador Chacrinha na década de 1970 e 1980 utilizava muito a expressão "Quem não comunica, se trumbica". Acredito inclusive que é o autor da frase que hoje é de conhecimento público. Traduzindo quer dizer que se a comunicação não for eficaz, se não atingir seu objetivo, vai dar errado, vai criar conflito, confusão. É mais ou menos o que a gente identifica no governo Lula, por mais que tenha feito boas entregas, não as comunica bem, logo abaixa a aprovação de seu governo.

No campo do planejamento de políticas públicas a comunicação interna e externa da política é crucial para sua implementação e seu posterior impacto. Do ponto de vista interno planejar a comunicação intersetorial e institucional dos diversos atores burocráticos responsáveis pela implementação reduz os riscos de reformulações e custo desnecessário. Externamente uma boa comunicação da política garante pouca resistência da população em geral e maior compreensão, informação e adesão dos beneficiários da política em questão.

O que está acontecendo com o governo Lula reflete falta de planejamento da comunicação de suas políticas. Claro que tem outras variáveis interferindo nos índices de aprovação do governo, como a inflação dos alimentos, por exemplo, mas a falta de comunicação de boas entregas do governo, como a volta do investimento em Cisternas, a valorização do salário-mínimo, e agora o projeto de justiça tributária via mudança na tabela do imposto de renda, a ser aprovado no legislativo.

Outras entregas foram pouco exploradas em termos de comunicação. No campo da educação, por exemplo, o programa Pé de Meia, que já demonstrou seus resultados no último ENEM. O PIB que só cresce. Programas de incentivos aos microempreendedores e abertura de crédito. A retomada e reformulação do programa Bolsa Família e Minha Casa e Minha Vida, o Concurso Nacional Unificado para cargos federais, dentre outras iniciativas. A lista é enorme, e pouco explorada.

O episódio da Portaria do Pix, que gerou desinformação e pânico na população em relação a taxação, e acabou por ser revogada, é um sintoma dessa falha comunicacional do governo que precisa ser revista. Soma-se à falta de planejamento na comunicação das políticas a desinformação e Fake News gerada pelas plataformas digitais. Questão que deve ser incorporada no planejamento das políticas, calculando riscos e estratégias de ação.

(*) Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/03/25. Opinião. p.20.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

TAXI DRIVERS

Por Romeu Duarte Junior (*)

Como não sei, nunca me interessei e já está tarde para aprender, esse negócio de dirigir carro nunca foi comigo. Se estou sem pressa, vou de ônibus (por falar nisso, tenho que tirar a carteirinha do idoso). Se estou com a agenda lotada e com o tempo escasso, faço como a Angélica: vou de táxi. Como esta última situação é a mais frequente, sou um fiel cliente dos motoristas de praça (é o novo!). O bom é que raramente ligo para chamar um. Da velha guarda, pego os caras na rua mesmo, acenando com a mão. "O senhor é o único que ainda faz isso", disse-me um deles um dia desses. No trajeto, rola de tudo: papos sérios e engraçados, mentiras, reacionarismo (como tem taxista bolsonarista...), histórias hilárias, música gospel (argh!), por aí. Ah, um Scorsese para filmar as lorotas...

Na semana passada, peguei um que passou por uma marmota curiosa. Aceitou a corrida de uma loura na Praça do Ferreira ("um mulherão, doutor") e foi bater com ela na Vila Manoel Sátiro. Em lá chegando, a dona desceu numa praça e pediu para ele esperar. "Pronto, levei um calote", disse ele. Súbito, chegou um sujeito numa moto e encostou. "Eita, que agora, além do beiço, vou ser assaltado". "Fica frio, coroa", disse o motoqueiro, "sou detetive e achei o marido da comadre aí". De repente, lá vem a loura trazendo debaixo de tapas, só de cueca, o seu consorte (ou sem sorte...), com uma pessoa aos prantos atrás. "Meu amigo, o cabra apanhou mais do que mala velha para largar o mofo", disse o chofer, "e o legal foi que ela me pagou e eu ainda voltei com a pessoa. É mole?".

O caso me lembrou outro que aconteceu com um conhecido meu há muitos anos na Praia de Iracema. Tarde da noite, pegou um táxi no largo da Igreja de São Pedro. Mal entrou no carro, o cinesíforo foi logo saudando-o e destacando os seus predicados de beleza. "Aí, garotão, passou o rodo no mulherio da PI, né?", falou-lhe o condutor, enquanto passava a mão nas suas pernas. No meio do caminho, parou a viatura num posto de gasolina e tascou: "Jovem, gostei de você. Que tal nos divertirmos nos bares da Leste-Oeste?". "Quero ir para casa, nada de programa, qual é, cara?!". Ao chegar ao destino, o motorista recusou o pagamento, choroso. "Tome, é seu", impôs o rapaz. Algum tempo depois, mais uma vez se encontraram, desta vez no Centro. Cumprimentos formais, apenas.

Pois bem, o que não falta numa corrida de táxi é prosa boa e marmotas mil, todas temperadas com uma boa dose de patranha. O senhorzinho que se garante na cama sem precisar de viagra, o cara que anda armado, o outro que foi roubado, sequestrado e colocado no porta-malas do carro, a taxista que não leva desaforo para casa, o magrelo com bandeirada cara, tem gente de todo tipo e com muita conversa fiada. Isso tudo me lembrou um antigo samba do Zé Kéti, "Motorista de praça", "Quando preciso de um táxi, faço o sinal / Olhas para o outro lado / Fico muito invocado / Mas no fundo eu te dou razão / Sei que não fazes por mal / A cara da gente não diz quem é o marginal". Tomei um táxi um dia desses e disse "Para a Procuradoria da República", ao que o chofer falou: "Já vai para a Embaixada?".

(*) Arquiteto e professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/03/25. Vida & Arte. p.2.


terça-feira, 22 de abril de 2025

IA e economias contra hegemônicas: o que está em disputa?

Por Cláudia Leitão (*)

A Cúpula de Ação em Inteligência Artificial (IA) assumiu recentemente como seu maior desafio o enfrentamento da hegemonia dos interesses de grandes grupos econômicos e de seus impactos no desenvolvimento tecnológico e na governança das nações. Mariana Mazzucato alerta sobre o perigo da dominação das "big techs" sobre a IA, capturada pelos usos tortos e escusos da plutocracia global.

Afinal, a IA não pode ser refém do mercado, mas instrumento de emancipação das populações. Ora, os avanços tecnológicos são, em sua grande maioria, resultado de investimento público, embora acabem sempre sendo apropriados por discursos "liberais" que esvaziam e deslegitimam o Estado de suas funções.

O "Departamento de Eficiência Governamental" de Trump, conduzido por Elon Musk, simboliza, em sua recente ação de demissões em massa, o desprezo pela expertise do Estado e sua capacidade formuladora de políticas públicas. Triste ironia. Foram os subsídios governamentais de 5 bilhões de dólares que permitiram à Tesla de Musk a sua existência e sustentabilidade.

Em meio a um turbilhão de algoritmos, instrumentalizados para a proliferação de conteúdos ilegais e engajamentos suspeitos, o Estado deve assumir novas tarefas, reconhecendo a importância estratégica do conhecimento aberto e o valor das novas economias dispostas a quebrar o domínio e o controle de dados em favor do conhecimento produzido entre e para todos.

Ronaldo Lemos nos lembra que "o Brasil é um laboratório permanente de experimentação" e observa, que "temos uma imensa capacidade de absorvermos e remixarmos referências externas, criando algo totalmente novo e original". Essa vocação é um ativo essencial para que possamos avançar rumo a um outro desenvolvimento.

Por isso, é impossível abrir mão do Estado (executivo, legislativo e judiciário) e de seu compromisso com novos marcos legais para a inovação, a inteligência artificial e a economia criativa. Como enfatiza Mazzucato: "não se trata de escolher entre inovação e regulamentação, mas de criar incentivos e condições para direcionar os mercados a entregar os resultados que desejamos como sociedade".

(*) Cientista Social. Professora da Uece. Diretora do Centro Internacional Celso Furtado para o Desenvolvimento.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/03/25. Opinião. p.18.

PRÊMIO RIOMAR MULHER: uma "pancada", cidadania e emoção

Por Márcia Alcântara Holanda (*)

Receber o comunicado de que havia sido eleita, junto com outras dez mulheres, para receber o Prêmio Riomar Mulher foi uma grande surpresa. Há nove anos, essa premiação reconhece e valoriza mulheres por suas grandezas, forças e ousadias em suas áreas de atuação na sociedade, celebrando suas realizações de sucesso em um evento grandioso e especial.

Ao receber a notícia, senti uma "pancada" forte no ser, e de dentro de mim saltou um sentimento de não merecimento. Perguntei-me: por que eu, se apenas fiz o que deveria ser feito?

Ventos ora fortes, ora suaves, entraram como ondas de percepções — o que chamo de consciência. Carrego em mim todos os meus perceberes: gravados, armazenados, desdobrados, transformados ou descartados. Esse terreno de elevada capacidade transformadora de ideias, comportamentos e identidades tem sido a base da minha jornada. Talvez por isso eu me veja apenas como cidadã. Sempre pensei que apenas fazia o que o mundo esperava de mim, sem precisar ser premiada.

Nesse exaustivo exercício reflexivo, tentando compreender a mim e ao outro, revi e analisei os feitos que doei ao mundo — sem ônus para ele, mas sim para mim. Vi que, em centenas de situações das quais participei, havia desafios que exigiam definição: atitudes, com ou sem risco. E percebi que, diante dessas situações, fui capaz de enfrentá-las, com riscos reais e pessoais, mas sempre as enxergando como passíveis de soluções e como realizações coletivas de extremo valor para o meu povo.

Como exemplo, lembro a erradicação da epidemia mortal da silicose (1988-1998) em cavadores de poços da Ibiapaba-CE, que salvou mais de 1.200 vidas de jovens trabalhadores, livrando-os dessa doença irreversível e fatal, por meio de ações educativas inspiradas nos princípios de Paulo Freire. Também recordo o controle das mortes e internações por asma em Fortaleza (2013-2017), que teve impacto direto na saúde pública.

Busquei entender a raiz dessas atitudes e descobri que foram fruto de um comportamento consistente e de um compromisso extremo. Segui a fórmula de Jocko Willink e Leif Babin, no conceito de responsabilidade extrema, juntando meus pares — que foram muitos — na consolidação de cada jornada traçada e executada.

Mergulhei nessa reflexão profunda sobre os feitos que me levaram a ser reconhecida como transformadora de mundos, como o prêmio me identificava. Então, finalmente, admiti que merecia, não apenas pelas realizações, mas pela forma como as conduzi: com uma riqueza de direitos e deveres, pessoais e coletivos.

Receber o prêmio foi, então, uma grande alegria, felicidade e emoção. Nesse momento, vi todos que estiveram comigo nessas realizações vitais para a nossa gente. Por isso, engrandeço a atitude — também cidadã — do Sr. Paes Mendonça, ao nos premiar por nossos feitos.

Por fim, penso que este prêmio representa, acima de tudo, a vitória da cidadania!

(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro honorável da Academia Cearense de Medicina.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/03/2025. Opinião. p. 20.


segunda-feira, 21 de abril de 2025

Educação superior e o desenvolvimento de suas atividades

Por Cândido B.C. Neto (*)

Vivemos num contexto em que a produção e a difusão do conhecimento são aspectos fundamentais para o crescimento socioeconômico de um povo, de uma região e de um país. Compete à Educação Superior o desafio de criar oportunidades de ascensão social, com impactos positivos sobre a distribuição de renda, por meio de uma educação humanista, inclusiva e libertadora. Desse modo, nas últimas décadas, a educação superior pública, principalmente a partir da expansão geo territorial e da interiorização das instituições de ensino federais e estaduais, vem expandindo a excelência no desenvolvimento de suas atividades.

Partindo de uma compreensão mais ampla da educação superior, a qual envolve não apenas o ingresso, mas também a permanência e a qualidade da formação dos estudantes, destacamos a necessidade de ampliação urgente de investimentos em infraestrutura, formação profissional e contratação de pessoal docente e técnico-administrativo, por meio de concurso público, de modo a garantir condições efetivas de acessibilidade diante da democratização, sobretudo por meio da implantação das políticas de cotas sociais, étnico-raciais e para pessoas com deficiência. Ressaltamos que faz-se necessário, investir em políticas de assistência estudantil e, especialmente, nos programas de bolsa de permanência universitária, com o objetivo de evitar a evasão, viabilizando ao aluno concluir o curso de graduação no tempo regular.

A especificidade da Educação Superior exige dos seus integrantes a constante busca do equilíbrio entre o desenvolvimento dos saberes e inovações produzidos pelas IES, fundamentado num compromisso social visando o atendimento das demandas que lhes são exigidas, tendo em vista a superação das necessidades históricas e reconhecendo ser de fundamental importância o bom desempenho em favor da nossa população.

A justificativa deve trazer dados e evidências de como a política educacional se encontra. Como se comportam os principais indicadores do desenvolvimento humano. Quais ações, propostas e metodologias serão usadas para resolver os principais desafios do mundo contemporâneo.

(*) Professor da Uece e coordenador da Educação Superior da Secitece.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/03/25. Opinião. p.18.

Os verdadeiros heróis e a importância dos exemplos de vida

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

Vivemos um tempo sem lideranças e relações práticas entre filosofia e política, questões que tem relevância na busca da felicidade em sociedades mais evoluídas.

Os representantes dos extremos, da esquerda e da direita, versam sobre o mantra dos justiceiros e dos pseudo representantes das minorias, características bem próprias dos que temem o debate e têm certeza de quase tudo. Aliás, esses são ingredientes dos movimentos de massificação e manipulação.

Nas últimas décadas, o Brasil amparou-se na lógica da economia mais ortodoxa, influência inequívoca do mercado e da sociedade de consumo. Tempo em que não podíamos questionar axiomas, como aquele que afirmava que a responsabilidade fiscal propiciaria o "welfare state". Infelizmente, o estado de bem-estar social não aconteceu, o mundo expandiu as desigualdades e os conflitos.

Por outro lado, os que se antepõem a esses dogmas, estão aprofundando a crise social.

No Ceará não é diferente. Nesse momento não podemos cantarolar no Ceará não tem disso não ". A melhoria da saúde e da felicidade tem relação com a redução de desigualdades. No entanto, caminhamos para um estado com maior concentração de renda, e para um povo mais pobre, temos a segunda pior renda per capita do Brasil.

Em 1988 o Ceará representava 2% da população brasileira e 1,7% do PIB. Atualmente, representamos 4% da população brasileira e apenas 2,2% do PIB.

Afinal, empobrecemos? Sim, pioramos os indicadores como os da violência, que guardam relação direta com a desigualdade.

Sou otimista e realista. Não sou daqueles cegos seguidores do método científico, por compreender dos males que algumas certezas e a falta de humildade proporcionam à humanidade, e pelos prejuízos que causam ao espírito e à possibilidade de colaboração com o desenvolvimento intuitivo, tão importante na história de nossa sociedade.

Somente uma análise franca da realidade combaterá a apatia e o autoritarismo, apontando novas estratégias, novos modelos de estado.

A meu ver um bom começo seria enaltecer heróis como Carlos Chagas, Machado de Assis, Rodolfo Teófilo, dentre outros. São eles os exemplos de dedicação, altruísmo e coragem, valores essenciais para uma sociedade mais justa.

Enfim, não precisamos usar ou manchar a bandeira, nem tampouco exaltar um positivismo ou um populismo excludente. A bandeira significa pouco, mas os valores exprimem muito de uma sociedade.

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/03/2025. Opinião. p.17.


 

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