domingo, 10 de março de 2019

HONORÁRIOS ESTRANHOS


Nos anos cinquenta, com pouco mais de dez anos de formado, por sua sabida competência, o Prof. José Carlos da Costa Ribeiro tornou-se o mais afamado obstetra de Fortaleza, sendo muito procurado, como profissional liberal, pelas famílias de classe alta da capital cearense, para partejar suas mulheres, acolhendo os seus rebentos.
Em uma oportunidade, ele recebeu um casal, que esperava o primeiro filho, mas, por alguma razão, a primeira consulta estava ocorrendo no meio do terceiro trimestre gestacional.
Finda a consulta, o marido pediu que ele desse o orçamento, incluindo consultas pré-parto, parto e atendimento no resguardo. Prontamente, ele escreveu no receituário o valor total de seus honorários profissionais. Ao receber, o orçamento o homem pareceu assustado, crendo que o famoso obstetra havia exorbitado ou mesmo se equivocado.
– É isso mesmo, doutor? – entregando o documento à esposa.
A mulher, corada diante do montante proposto, questionou:
– Não estou entendendo nada, doutor. A minha prima, Elda Coelho, que o senhor fez o parto dela mês passado, pagou bem menos. O senhor recorda dela?
– Sim, como não! Guardo bem na lembrança todas as minhas pacientes, inclusive as carentes da Maternidade Dr. João Moreira, que nada pagam.
– Pois é. Para a minha prima Elda, o senhor fez o pré-natal dela, durante os nove meses, desde quando a regra dela faltou, o parto e a consulta depois do parto, e cobrou a metade do que o senhor pede por meu parto. A mim, me parece muito estranha essa diferença. Não está errado isso, doutor?
– Não há nenhum erro. Essa é a quantia aplicada em situações como a sua.
– Continuo sem entender. Já estou quase entrando nos nove meses, restando só um mês para parir, e, portanto, darei menos trabalho. Eu até deixei pra vir mais tarde, pra pagar menos, porque assim eu pouparia vários atendimentos.
– De fato, o trabalho é menor, para mim; porém, a preocupação que terei, ao fazer o seu parto, é muito maior. O sobrepreço é a compensação do meu estresse e dos riscos que se terá que incorrer. A parturiente que fez o pré-natal comigo, desde o início da gravidez, me dá segurança quanto ao que possa ocorrer no parto. Aquela, todavia, que eu não acompanhei adequadamente a gestação, é uma incógnita para mim e pode causar sérias e desagradáveis surpresas.
Na sua prática liberal, ele sempre preferiu acolher as gestantes, desde o primeiro trimestre, estabelecendo um valor global, dando direito a todos os atendimentos.
Além, dessa peculiaridade, na forma de apresentar os seus honorários, o Dr. José Carlos era pragmático e parcimonioso em suas intervenções, costumando dizer que o bebê nasce com, sem e apesar do médico; era ainda extremamente diligente e cauteloso para indicação de uma cesariana, afirmando que barriga não foi feita para passar menino, pois, se fosse, a natureza teria concedido uma abertura abdominal, anatômica, no corpo feminino.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Presidente da Sobrames - Ceará
Fonte: SILVA, M.G.C. da. Honorários estranhos. In: SOBRAMES – CEARÁ. Lapso temporal. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2018. 352p. p.235-6.
* Publicado, originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p.53-5.

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