O leiteiro de Londres (1940). Fotógrafo Fred Morley. |
Outubro de 1940, em uma Londres
devastada por mais um bombardeio nazista, um leiteiro caminha entre os
escombros enquanto atrás de si bombeiros apagam um incêndio.
Essa clássica foto foi divulgada
como um símbolo da resistência britânica aos ataques do Eixo, e deu certo.
Embora os bombardeios continuassem até maio de 1941, Hitler teve que reconhecer
que foi incapaz de acabar com o moral dos ingleses.
A fotografia do leiteiro era uma
mensagem de que, apesar de tudo o que acontecia, era preciso manter a calma e
continuar em frente, a vida deveria seguir adiante.
Essa imagem, porém, foi preparada
pelo fotógrafo Fred Morley e seu assistente, que escolheram o caminho e o
ângulo para que fosse tirada, pegando emprestado o jaleco e a caixa de leite de
um leiteiro.
Isso o desanima? É uma fraude?
Pense de novo. A foto foi
planejada, sim, mas havia um leiteiro que emprestou suas coisas para compor a
cena. Havia um homem trabalhando e entregando leite, mesmo com bombas nazistas
caindo dia e noite, porque, bem, era o seu trabalho e as pessoas dependiam
dele.
E para que houvesse um leiteiro,
alguém deveria estar cuidando das vacas, transportando o leite, envasando e
distribuindo.
Apesar das bombas, apesar dos
incêndios, apesar de tudo, a vida continuava, plena e soberana, como se seu
simples vicejar bastasse como desafio à política de morte de um nazismo
totalitário.
As brigas no parlamento, as
traições, as interferências políticas, os financiamentos à guerra por
empresários inescrupulosos que se refestelavam sobre a mão-de-obra de Auschwitz
e outros campos de extermínio… As grandes questões econômicas e as estratégias
decididas no Olimpo nunca foram problema do leiteiro.
Ai, se perdesse seu tempo
brigando em bares, hoje na internet, para dizer como o mundo deveria ser e que
quem discordasse era idiota!
O leiteiro fez o que fazia
melhor: seu trabalho. E dele dependiam tanto o operário, quanto Winston
Churchill, porque as convenções sobre poder não nos expurgam da condição humana
que nos iguala em fragilidade.
Foi também em Londres que outra
foto foi tirada, em dezembro de 1940, quando, após uma gélida noite de intenso
bombardeio sobre a região da Catedral de São Paulo, os britânicos saíram pela
manhã às ruas com a certeza de que o prédio não haveria resistido aos ataques.
Ali, no cenário coberto de
fumaça, um súbito golpe de vento clareou o ambiente e mostrou-a, a catedral,
intacta e imponente. Se ela resistiu, pensaram os ingleses, nós também podemos.
É verdade que a foto de Morley
foi preparada, mas é tão verdadeira quanto qualquer quadro ou escultura que
retrate um evento real, porque de fato as pessoas comuns continuavam suas
rotinas como um desafio às atrocidades nazistas.
Nas nossas vidas, individual ou
coletivamente, passaremos por tragédias. Podemos escolher lamentá-las e
sucumbir. Podemos escolher discutir com os outros como o mundo deveria ser,
como se vencer um debate pudesse mudar as coisas. Podemos nos agarrar a ídolos
com pés de barro e suas promessas vãs e palavras vazias.
Ou podemos fazer o mais difícil:
continuar a entregar o leite mesmo que andemos sobre a terra devastada.
O caminho mais árduo é o de tomar
posse daquela parcela do mundo que depende de nós para permanecer em pé.
E cada um tem a sua função,
nenhuma pequena ou irrelevante.
Apenas o super-homem voa sem
ajuda. O resto de nós tem os pés no chão e sabe que ninguém vive sozinho: o
soldado que vai à guerra precisa daquele que semeia o campo para comer, o
médico que vai ao consultório precisa do mecânico para arrumar seu carro.
A diferença não nos separa, ela
nos completa em sociedade. Solitários, somos entulho, cacos de vidro espalhados
pelo chão. Unidos, somos um vitral cuja imagem formada por seus vários pedaços
é destacada pela luz que a atravessa.
A verdade é que ninguém é imune
aos bombardeios da vida. Quem te disser o contrário estará mentindo.
Mas as bombas só destroem a
matéria. O maior perigo é o que sua existência representa, a capacidade de
fragmentar a nossa alma, de nos afastar uns dos outros na angústia egoísta de
sobreviver sozinho.
Não há antídoto para bombas, mas
para a doença do desespero que elas carregam sempre há a cura pela fé.
Entregue o seu leite.
Fique calmo e continue em frente.
Fonte: Internet (circulando
por e-mail e i-phones). Com autoria atribuída a Edu Oliveira.
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