terça-feira, 6 de abril de 2021

PREMATURIDADE MÉDICA

Por José Carvalho Rocha

Reitor da Unichristus

Os cursos de Medicina no Brasil formam médicos generalistas que devem possuir conhecimento teórico e prático nas cinco áreas básicas: Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Clínica Médica, Clínica Cirúrgica e Medicina de Família e Comunidade.

Em situação pandêmica, com inúmeras mortes, existe necessidade de médicos, muitos médicos, que precisam ser muito bem formados. A má-formação profissional em saúde leva a diagnósticos errados e a tratamentos desastrosos.

O Código de Ética Médica autoriza que médicos exerçam a profissão com autonomia. Assim, existem hoje, em nosso País, alternativas entre os tratamentos para a Covid-19. Das várias medicações disponíveis, cabe ao profissional decidir a que deve ser indicada para seus pacientes. A responsabilidade final é do médico. Diante de várias opiniões divergentes, o bem formado saberá escolher o correto tratamento.

Ao ser graduado, o profissional tem total autonomia para estabelecer qualquer diagnóstico e tratamento em todas as especialidades, mesmo que ele ainda não tenha o título de especialista. Por exemplo, recém-formados podem legalmente realizar neurocirurgia, caso exista hospital que os aceite.

Os médicos formados na pandemia, de forma apressada ou não, continuarão a exercer a profissão durante, pelo menos, mais 30 anos.

Existem as residências médicas, que são cursos de pós-graduação lato sensu; no entanto, na residência de Psiquiatria, por exemplo, médicos não apreenderão nem praticarão conceitos de Pediatria e de Cardiologia. Caso não tenham apreendido essas áreas na graduação, não apreenderão na residência.

Formação cronologicamente antecipada leva, necessariamente, a uma formação incompleta.

Há 50 anos, o curso médico é desenvolvido em seis anos, não menos do que seis anos. Nos últimos 50 anos, a educação médica muito evoluiu. Hoje os estudantes precisam apreender maior quantidade de conteúdos, precisam desenvolver novas habilidades e competências quando comparados a estudantes da década de 1960. Todas as habilidades e competências do curso médico necessitam de práticas e de tempo para a sua devida assimilação. Assim, no meio médico, já foi discutida a necessidade de que o curso tenha a duração mínima de sete ou oito anos; porém, por vários motivos, não foi possível sua concretização.

Apesar do exposto, a Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020, permite que os cursos de Medicina antecipem a entrega do diploma para alunos que tenham concluído 75% do internato. A mesma lei acrescenta que a instituição de ensino define se antecipa ou não. A decisão das instituições precisa estar fundamentada na qualidade do médico necessário à nossa sociedade. A antecipação da colação implica que o curso de Medicina pode ser concluído em cinco anos e seis meses, diminuição que compromete a qualidade dessa necessária extensa formação.

A fim de formar médicos em menor prazo, faz-se necessário retirar conteúdos e práticas. Qual área médica deve ser sacrificada? Pediatria? Cirurgia? Clínica? Outra? Entendo que essa escolha não pertence apenas aos médicos ou aos educadores médicos. Representantes do nosso povo precisam participar.

Durante as últimas décadas, estudantes de medicina tentaram, de várias maneiras, antecipar sua graduação. É um ímpeto estudantil o desejo de, antecipadamente, exercer a profissão. “Ser doutor”. No entanto, compete aos cursos médicos zelar pela qualidade da formação de seus egressos. Não é possível aceitar que qualquer estudante venha a se tornar um mau médico. As consequências são terríveis e já conhecidas por nossa população.

Os cursos médicos recebem alunos egressos do ensino médio com diferentes condições acadêmicas. Os professores conhecem essa situação. O curso é desenvolvido considerando o nível dos ingressantes, pois alguns estudantes apresentam deficiências e outros não. Existem cursos que recebem quase todos os alunos com deficiências.

As consequências que existirão no desenvolvimento da matriz curricular são inevitáveis, pois, ao final dos seis anos, o curso precisa entregar para a sociedade médicos que exerçam a profissão com grande qualidade, independentemente de como os alunos chegaram ao curso superior. Cursos que recebem alunos que não tiveram bom desempenho no ensino médio necessitam ter maior dedicação aos seus alunos e mais tempo aplicado ao ensino.

Durante o ano letivo de 2020, vários serviços de saúde que recebem estudantes para o estágio obrigatório (internato) dificultaram essas vivências, pois foi necessária a diminuição de pessoas circulando nesses estabelecimentos, devido ao risco de transmissão do novo coronavírus. Dessa maneira, os cursos médicos, com o intuito de manter a qualidade dos formandos, necessitaram modificar o desenvolvimento da matriz curricular, pois as vivências prejudicadas precisavam acontecer. Todos os dias disponíveis para o internato precisam ser utilizados.

O Brasil precisa de excelentes médicos. Precisamos de excelentes cursos médicos. Seguindo todas as leis e portarias, as instituições de ensino precisam ter liberdade para trabalhar. Entregaremos, assim, para a sociedade, egressos com as competências fundamentais nas áreas básicas da saúde, atendendo, dessa maneira, às principais necessidades dos pacientes.

Fonte: Publicado no Blog da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior) em 2/4/2021 e no jornal O Povo de 5/4/2021. p.3.

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