sexta-feira, 30 de abril de 2021

Crônica: “Cair num pranto de choro” ... e outro causo

Cair num pranto de choro

Naquele dia o garçom Olegário chegara atrasado ao trabalho, o Bar do Ganço ('ganço' mesmo), não tendo ouvido o princípio do bate-boca/arranca-rabo entre meu primo Francisco Matos Pinto e Biluca Pinto. O casal, na mesa ao lado da minha, brigava feio, era de fim de romance - chifre no meio (corria o boato de que Biluca andara se botando pra João Preá).

O que "serve comida e bebida aos clientes do restaurante", atrasado por força do prego de pneu da bicicleta à altura do Antônio Bezerra, pegou o bonde do cacete verbal andando. Tentou apaziguar os ânimos, oferecendo aos querelantes uma aguinha com açúcar, aluá, quissuco, cinzano, caldo de peixe...

- Quero burundanga nenhuma! Quero meu Pinto de volta! - impunha Chico.

- Deixa eu ficar com teu Pinto, Chico! Senão... - pedia ela lamentativamente. 

A peleja por causa dum pinto soava realmente estranha. O fí de tia Hilda, demais afetado, fazia fincapé.

- O Pinto é meu, é meu e é meu! Você não foi digna do Pinto que eu te dei!

- Chico, sem seu Pinto eu fico nua! Tem nem graça!

- Quem mandou você se engraçar doutro pinto?!?

- Não é Pinto, é Preá! - defende Biluca.

- Assumiu né, bichinha?!? 

Olegário tem relativo entendimento do imbróglio quando o primo Chico dispara essa:

- Vou contratar advogado especialista em tiração de sobrenome do nome de quem caçoa dum Pinto! 

E deu por encerrada a conversa, para a compreensão in totum do garçom do Bar do Ganço:

- Em matéria de sua pessoa, adeus meu Pinto!!! 

Peia pra dez, Mundico levou sozinho!

Pense num brugelho danado - buliçoso, arrochado, arengueiro, imoral, cheio de nós pelas costas, aquele Mundico! Todo noite no telhado de casa, urinava no povo da rua em esguichos fenomenais. E jogava pedra, chamava o povo pelo apelido, mangava, vaiava, frescava até enjoar. A avó, quase 'cega da vista', repreendia mas era mesmo que nada. Nem aí pros carões dele, o maluvido menino a cada dia mais se especializava. Reclamação era o que não faltava. 

Veja como são as descoincidências da vida. Naquela noite, o pequeno presepeiro foi jogar bola na quadra da Associação e, para não perder o embalo, pediu ao colega Betinho fizesse as traquinagens que deram a Mundico fama no bairro. O comparsa matou a pau; em matéria de esculhambação, dizem, fez melhor que o titular.

Ocorre que a avó de Mundico, já sem paciência, bota uma escada e ganha a lapa do telhado. Pega o suposto neto bonequeiro pelas bitacas (em plena ação) e dá-lhe surra de cansanção maior do mundo. Arrasta lá de cima o pivete pela orelha, pra terminar a mão de chibata na sala. Aos berros, o coisinha ruim tenta se defender:

- A senhora tá enganada, dona Mariquinha! Eu sou...

- ... um fí duma égua muito do sem futuro!!!

Até que alguma das netas avisa:

- Vó, esse em quem a senhora tá dando não é Mundico! É Beto de dona Isaura. 

Braba como estava, a velhinha não perdeu o rebolado:

- Bem feito! Peia em capiroto por tabela também vale!

Fonte: O POVO, de 16/10/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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