quinta-feira, 15 de abril de 2021

FORTALEZA, UMA CIDADE ABERTA

Por Lúcio Alcântara (*)

Bom prefeito é o que antes de tudo ama sua cidade. O cargo de prefeito está entre os exercidos como o que mais me satisfez pessoalmente.

Próximo às pessoas, íntimo dos problemas, muitos solucionáveis com presteza, graças a agilidade municipal, pus em tudo o condimento do amor. Para Ciro Colares sou "talvez o mais apaixonado de seus rivais". Desse olhar nunca me desfiz.

Sigo suas vicissitudes, vibro e sofro com seu progresso e mazelas. Bela mulher em vestes desfeitas é a metáfora que me inspira.

Fortaleza, cidade fêmea, aberta, se estende no plano, fita o horizonte sem a orografia que barra e esconde, virada ao mar, verde e bravio, que sopra à terra a brisa suave sob a constância do sol, luz do céu e das almas.

A beleza, aos poucos perdida desde o início, é a degradação da natureza, desmonte das dunas, molduras das praias, avanço no mangue, aterro de rios e lagoas, sacrifício das matas, céu sem pássaros, imóveis que tombam, lembrança bucólica de um passado sem volta.

Aberta e humana escancara portas e braços, generosa, acolhe o forasteiro, livre, absorve pronta, cultura, costumes, moda e hábitos externos, sem o ranço de suas irmãs filhas do açúcar e do cacau, a um só tempo vulnerável e dinâmica.

O traje roto são farrapos urbanos, manchas de miséria e mal feitos espalhados na urbe, espaços públicos invadidos precocemente depredados atingidos pela tolerância excessiva, a transgressão admitida, por omissão ou cumplicidade.

A cidade formal, administrada, onde se cumprem normas e posturas municipais, diminui de tamanho, abrange área sempre menor.

Já não vamos onde queremos, apesar de maior mobilidade, pois em amplas regiões, domínio das facções, impede-se o acesso de estranhos, até mesmo da polícia. Retrato do paradoxo da desigualdade, anátema dos descaminhos nacionais, imediatos e distantes.

Destino dos que a buscam esperançosos a cidade exige urbanidade, sociabilidade mínima, respeito ao ambiente, amor, sem individualismos irresponsáveis.

Longe, mesmo camadas mais altas, de vivermos essa utopia, sempre será tempo para amar e proteger nossa metrópole.

Encaremos confiantes as promessas do futuro prevenidos contra as companhias dissimuladas dos recorrentes saques urbanos. Que os versos atormentados de Raimundo Varão, no poema Fortaleza: Por que nos batem temporais medonhos,/e tivemos, no mundo, a mesma sorte,/ó casta Fortaleza dos meus sonhos, sejam advertência a nos alertar.

(*) Médico. Ex-prefeito de Fortaleza. Sócio do Instituto do Ceará: Histórico, Geográfico e Antropológico e da Sobrames/CE.Presidente da Academia Cearense de Letras.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/4/21. Opinião, p.19.

https://mais.opovo.com.br/jornal/opiniao/2021/04/15/lucio-alcantara--fortaleza--uma-cidade-aberta.html

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