quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

ESSE ANO EU NÃO MORRO

Por Eduardo Jucá (*)

O cérebro, fantástica máquina de elaborar narrativas e de acreditar, acaba de nos contar que mais um ciclo foi encerrado e outro já está começando. É verdade que, para tanto, foi tomada como base mais uma volta da Terra em torno do Sol. Mas quase ninguém se lembra disso ao chorar as perdas, renovar as esperanças e fazer as quase nunca cumpridas promessas de Ano-Novo.

Nossa maquinaria neural humana possibilita a contemplação do passado e a expectativa do futuro. Isso é um grande privilégio, porque o passado nos leva à construção das histórias de vida e o futuro nos deixa sonhar. Mas memórias mal geridas geram ressentimentos e traumas, e um futuro esperado com pressa cria ansiedade. A passagem do ano fica localizada nessa divisa mal desenhada entre passado e futuro, onde vamos tentando encaixar o presente.

Por isso é tão bom o estouro da rolha do espumante que deixa escapar o gênio da esperança. Essa equilibrista cantada por Elis Regina, que faz acreditar no reinício do jogo em que tentaremos de novo passar de fase, mais experientes e sem os erros do ano passado. De fato, cada janeiro adquire um aspecto místico, e espera-se que esse seja um ano bom.

Como se o tempo fosse organizado em pacotes de doze meses, em vez de ser visto como um contínuo indomável e imprevisível. De novo, o cérebro procura organizar a realidade para tornar a vida mais fácil e mais suportável, e, se o ano passado foi muito duro, o ano que vem será o meu ano! Até a soberana Rainha Elizabeth cedeu à crença cerebral no empacotamento do tempo, ao afirmar que 1992 havia sido um annus horribilis.

Na verdade, para evitar as frustrações das promessas não cumpridas e entrar em paz com a realidade, é preciso desengavetar o tempo e ouvir Caetano quando nos entrega sua verdadeira definição: compositor de destinos, tambor de todos os ritmos. E, nessa cadência, revigoramos o cérebro para enfrentar mais um período, como afirmou Belchior: "Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!"

Feliz 2024!

(*) Médico neurocirurgião pediátrico, professor, pesquisador e palestrante.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 13/01/2024. Opinião. p.18.

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