segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

SOBRE O NASCER AMANHÃ

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

Desejo nascer de novo. Só para assistir aos meus amigos que perderam-se no caminho. Quero crer que gastarei mais tempo desfilando conversas, aquele tempo que achamos não dispor.

Quando os anos passarem, nas poucas horas, vou rir a toa das previsões que não aconteceram, vou esquecer dos medos e das angústias de quem não tem fé. E em certos dias, daqueles que andamos à toa, quando nos permitimos desviar o tempo, recobrando as imagens da infância, das ruas de areia, dos poucos sinais, das pessoas no centro da cidade, das crianças festejando as chuvas, tudo como se fosse ontem. Assim será esse novo momento, essa passagem.

Resgatarei algumas lembranças caras. Entre elas, conversas habituais com um amigo de muita empatia mútua, com alegria em discorrermos sobre os problemas da vida, tentando entender, aprendendo sobre o viver.

Num dia específico, ainda nesse ano, que já se foi, ele me falou que maturidade é quando nos sentimos confortáveis em somente escutar, mesmo diante das afirmações que discordamos, as que, ao nosso entender, parecem absurdas. É não ter interesse em convencer, é sentir-se sereno com o silêncio.

Não concordo, evidentemente, com todas suas afirmações. Liguei-lhe, simplesmente, para falar da saudade, para deixar clara a minha admiração. E dizer muito obrigado, pedir desculpas pelas ausências.

Assim, farei o mesmo com as relações profissionais, entre amigos, e, até, na vida íntima.

É, o tempo encarrega-se das mudanças e o calar induz transformações. Mas, o mundo precisa que falemos, que declaremos nossas crenças, nossa afetividade. Também vou fazer tudo mudar, com jeito e delicadeza. Nessa mesma toada vou pensar, elaborar o cotidiano, compreender e entender que mudar não é trair, é evoluir ou atrasar. Pouco interessa, o fato de abstrair-se noutra direção. Pois, implica em mudança, em formular novas ideias, em pensar e sentir diferente.

Vou nascer novamente e vou me inquietar. Costuma- se dizer que quando alguém perde outrem ganha. Refiro-me ao poder de abandonar ou de ser abandonado, tanto na vida pessoal, afetiva ou profissional. Parece-me algo inexorável ao olhar mais apurado sobre o envelhecimento.

Assim sendo, quero repetir aos mais próximos que é preciso lembrar sem tristeza. Desejo ser humilde e envelhecer, e, também, envelhecer como um ato de humildade, minorando as dores do corpo, as dependências para as atividades diárias e a evidente fragilidade, vestida em cada nova manhã.

Por outro lado, tenho a percepção racional que a transitoriedade nos dá colo à alma, seda as nossas angústias, nos desvinculando de padrões e estereótipos.

Nessa semana, última, dediquei-me a cerrar os olhos para transpor o tempo, para ser fiel, para fortalecer a missão e consolidar valores eternizados nas nossas memórias.

Percebendo, sim, um envelhecer que é sim andar devagar, mas, ainda mais, compreender. A meu ver é saber, ver e escutar. E raramente, convencer.

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/12/2023. Opinião. p.29.

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