Por João Soares Neto (*)
A psicanalista
Anna Veronica Mautner, em artigo publicado na Folha, sob o nome “Inveja, um
pecado capital” diz: ‘Hoje a inveja funciona quase como um motor da ação.’ “Por
que não tenho? Não tenho por que não quero o suficiente, com a força
necessária”. E fala mais: “Quem inveja é porque quer o que não tem. Por que uns
e outros, não? O mundo é assim.”
Você, caro(a)
leitor(a) como se sente? A inveja passa longe de você? Vivemos em um mundo em
que os valores das pessoas podem deixar crer que são os bens que elas possuem
que as fazem invejadas. Se forem esses os seus únicos valores, pobres delas,
mesmo que muito tenham e alardeiem para deixar bem claro quem são no mundo da
aparência ou do interesse. O pintor Salvador Dali, no auge da fama, por ele
próprio estimulada, com sua vida tão surreal quanto suas pinturas, ousou dizer:
“O termômetro do sucesso é apenas a
inveja dos descontentes”. Ele parecia ter ouvido o que falava o escritor
Oscar Wilde, tão sofrido com sua vida pessoal exposta e julgada: “O número dos que nos invejam confirma
as nossas capacidades”.
Mautner insiste:
“E por que será que falamos tão pouco
da inveja quando ela ocupa tanto espaço na nossa vida? Uma resposta plausível é
que a gente prefere não pensar na nossa relação com os pecados que cometemos
frequentemente”. Estranho que uma psicanalista fale de pecado como sentimento de culpa
por algo que desejamos e não temos. Eu substituiria a palavra pecado por erro
ou falha de caráter. O pecado pressupõe a crença em uma divindade maior que
absolve ou culpa. Enfim, julga. O erro faz parte da humanidade e é, algumas
vezes, desenho do aprendizado. Erro porque sou humano, e essa foi a forma que
encontrei para aprender e não para invejar o outro.
Moderna, Anna
fala que “a tecnologia
parece atender a vontade infinita que temos de ser invejados. Estou em uma
festa, em um restaurante e espalho isso para o meu mundo virtual. Basta ser meu
amigo no Facebook para eu alcançá-lo”. Será que estaremos felizes apenas por
mostrar as nossas companhias, os lugares que frequentamos, a estética das mesas
de que participamos?
Creio que
admitir que alguém tenha inveja de outro a partir de registro fotográfico ou de
uma gravação amadora é presunção egoísta e de efeito relâmpago. Apaga-se o
flash, desliga-se a câmera e o ambiente charmoso fica a espera do olho do
outro, daquele que não está a participar do festim que tornou alguém exposto de
forma infantil e nada sutil.
Ariano
Suassuna, no jeito peculiar dele, fala sobre a morte – como o fim da inveja –
no “Auto da Compadecida” e mostra que invejosos e invejados morrem. Leiam-no: “Cumpriu sua sentença. Encontrou-se
com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino
sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só
rebanho de condenados, porque tudo que é vivo, morre”.
A própria
Bíblia dá muita atenção ao tema inveja. Dois exemplos. Gálatas 5:26: “Não sejamos cobiçosos de vanglórias,
irritando-nos uns aos outros, invejando-nos uns aos outros”. Por sua
vez, em Tiago 3:15 está dito: “Mas se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não
vos glorieis, nem mintais contra a verdade. Essa não é a sabedoria que vem do
alto, mas é terrena, animal e diabólica”.
Nessa história
ou estória de inveja é preciso saber a quantas anda a autoestima das pessoas.
Essa que oscila como os mares e as fases da lua e não nos assegura que o olho
do outro fique de acordo com o que a nossa vaidade quer que ele enxergue,
perceba, veja e, enfim, inveje. Mas, se alguém precisa da inveja do outro para
se afirmar como um ser maior, estará, a cada passo, diminuindo a sua estatura
como refém do olhar de outrem, muitas vezes perdido em suas próprias angústias
e incapaz de, sequer, notar o outro. Alguém que não seja ele.
(*) João Soares Neto é escritor e membro da Academia Cearense de
Letras.
Fonte: Publicado, provavelmente, no jornal O
Estado, de 14/12/18.
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