O pão do Cartaxo
Final
da década de 60, meninos do buchão, morávamos no Otávio Bonfim. Onde hoje se
estende a novíssima Avenida José Jatahy, era caminho de trem, que cruzando a
Bezerra de Menezes atrapalhava sobremodo o trânsito ainda xoxo. Siqueira
Gurgel, igreja de Nossa Senhora das Dores e 3º Distrito por testemunhas.
Porque
eu testemunhei o que aconteceu naquele dia ao colega Joaquim, futuro arquiteto
Cartaxo! Ele morava na rua do trilho, algo entre as ruas Azevedo Bolão e
Gustavo Sampaio. Tempo de chuva. Beirava às 17 horas. A pedido da mãe, fora
comprar o pão da janta ainda morno em bodega próxima – só uma bisnaga grande,
pão semolina. Já passado na manteiga.
A
metros de casa, a ruma de pivetes. Negadinha do mesmo tope jogando triângulo, o
do ferrinho da ponta de cima entortada, que se atira ao chão, ziguezagueando
linhas para ora fugir, ora “fechar” o adversário. O ingênuo Joaquim, pão que
era um medonho na mão, desvia a atenção de casa e põe-se a cubar a brincadeira.
Foi
aí que o cão atentou, despertando a atenção do cão de um dos meninos. O mais
esgalamido de fome (‘três cruz’ de lombriga no bucho) oferece o triângulo a
Joaquim, matreiramente...
- Vai lá, mah! Tomaí! É a tua vez! Me dá o pão que eu
seguro!...
Joaquim
Cartaxo dormiu com fome naquela noite. Fumando numa quenga!
As duas maneiras de
tratar um doido
Coitado
do João Romão. Puxa da perna, manqueja, anda com uma dificuldade tremenda pelas
ruas. Mas não deixa de ir ao trabalho, dia nenhum. Funcionário da Rffsa. Nunca
perdeu um dia de labuta. Servidor exemplar.
Mas,
coitado do João Romão, puxando da perna, manquejando... Pra falar a verdade,
parece um caranguejo se arrastando pelas artérias da cidade. Trabalhador único.
Sem falta alguma na ficha de presença, se faltar, faz falta.
Certo
dia, tive a honra de ir a casa dele, a seu convite, experimentar peixe da
Amazônia (matrinxã) preparado pela esposa. Casa boa, frente pro sol, arejada.
Cheguei cedo. Tive de esperar os dois se arrumarem. Fiquei no alpendre. Pra meu
espanto, lá vem fagueiro o João Romão, sem puxar da perna, sem manquejar.
- Diabeisso? Parou de cachingar?
- É que em casa
eu ando normal. Lá fora, esse ‘deixa que eu chuto’ é charme!
- Parabéns, você tá certo – errada é a Bíblia!
- Obrigado pela
força!
Até
hoje ninguém descobriu a outra maneira de tratar um doido.
O cachorro que bota
ovo
Se
você não acredita, venha comigo num sábado desses à casa do Jair (que dizem
estar com Parkinson), no beiço da Lagoa do Opaia. Chama-se Brega o cachorro
dele que bota ovo – ovo lavrado. Com a do mês passado, é a oitava ninhada de
‘pintachorro’ que tira. Aliás, ovo de cachorro é mais nutritivo que de galinha.
É estranho, sem dúvida. Falam até que é coisa de bruxaria. Mas Jair está
tranquilo, e acalma os que lhe querem bem:
- Quem não deve não treme!
Fonte: O POVO, de 14/10/2017.
Coluna “Aos Vivos”, de Tarcísio Matos. p.8.
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