Por Pe. Eugênio
Pacelli SJ
Em tempos da "cultura do espetáculo, do
descarte e da pressa" há necessidade de priorizar momentos para ouvir o
silêncio e o encontro com a família e amigos. São momentos existenciais que nos
remetem à transcendência. Momentos com sabor de eternidade. É bom parar e ir ao
essencial, para evitar o pior: síndrome do pensamento acelerado, vazio
existencial.
Em tempos de agitação
necessitamos de mística. Afirmação profética já anunciada por Karl Rahner,
maior teólogo católico do século XX: "O
cristão de amanhã será místico ou já não será cristão". Quando dizia "será místico", não se
referia ao mero sentimento, nem falava de mística com o sentido de fenômenos
extraordinários: visões, estigmas, levitações etc. Queria dizer que o cristão
ou faz uma experiência pessoal de Deus ou vive da ideia de Deus. Na "cultura da ausência de Deus" (J. Moingt), o que predomina é a experiência de não ter feito
nenhuma experiência religiosa, isto é, não ter sido afetado, nem, muito menos,
transformado por algo que possa ser denominado Deus". Muitos vivem da
ideia de Deus e não da experiência com Deus. Inácio de Loyola já alertava que
Deus não é um "saber", e sim, um "sabor". Deus se dá a si
mesmo e se deixa saborear em ato de Presença. É esta Presença gratuita que
encontramos o sentido último e a salvação. O essencial, de um modo ou outro, é
em Deus que se encontra, mas numa experiência pessoal. Como no amor. Deus
aparece nas experiências radicais e originárias da vida. Nosso drama é perder a
memória de que somos parte do todo: ao distanciar-nos do Deus Criador rompemos
a relação cordial com todos e caímos no vazio existencial.
O auto-centramento, sem
levar em conta a rede de encontros que nos envolve, provocou a quebra da
"re-ligação" com tudo e todos. O que nos corrói é a petrificação de
nossa interioridade, a perda do gosto pela verdade, pelo bem, o extravio da
ternura, o esvaziamento dos encontros. O que nos desumaniza e isola é a cultura
da indiferença. Ela edifica a barreira instransponível entre nós e os outros.
Aos poucos, nos recolhemos em nossos medos e começamos a acreditar que os
diferentes são nossos inimigos. Da indiferença passamos às práticas
fundamentalistas, à segregação. Nossa vocação é construir pontes e ser presença
reconciliadora em situações de fronteira, colocando nossa energia, nossa
formação, nossa vida a serviço para criar e sustentar os laços humanos,
estruturas políticas e econômicas que tornem possível a solidariedade, o
encontro entre todos os seres humanos e aponte para um mundo fraterno e justo.
(*)
Padre jesuíta e mestre em Teologia.
Fonte: O Povo, de
3/11/2018. Opinião. p.16.
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