sábado, 1 de dezembro de 2018

A MÍSTICA DA AÇÃO E CONTEMPLAÇÃO

Por Pe. Eugênio Pacelli SJ
Em tempos da "cultura do espetáculo, do descarte e da pressa" há necessidade de priorizar momentos para ouvir o silêncio e o encontro com a família e amigos. São momentos existenciais que nos remetem à transcendência. Momentos com sabor de eternidade. É bom parar e ir ao essencial, para evitar o pior: síndrome do pensamento acelerado, vazio existencial.
Em tempos de agitação necessitamos de mística. Afirmação profética já anunciada por Karl Rahner, maior teólogo católico do século XX: "O cristão de amanhã será místico ou já não será cristão". Quando dizia "será místico", não se referia ao mero sentimento, nem falava de mística com o sentido de fenômenos extraordinários: visões, estigmas, levitações etc. Queria dizer que o cristão ou faz uma experiência pessoal de Deus ou vive da ideia de Deus. Na "cultura da ausência de Deus" (J. Moingt), o que predomina é a experiência de não ter feito nenhuma experiência religiosa, isto é, não ter sido afetado, nem, muito menos, transformado por algo que possa ser denominado Deus". Muitos vivem da ideia de Deus e não da experiência com Deus. Inácio de Loyola já alertava que Deus não é um "saber", e sim, um "sabor". Deus se dá a si mesmo e se deixa saborear em ato de Presença. É esta Presença gratuita que encontramos o sentido último e a salvação. O essencial, de um modo ou outro, é em Deus que se encontra, mas numa experiência pessoal. Como no amor. Deus aparece nas experiências radicais e originárias da vida. Nosso drama é perder a memória de que somos parte do todo: ao distanciar-nos do Deus Criador rompemos a relação cordial com todos e caímos no vazio existencial.
O auto-centramento, sem levar em conta a rede de encontros que nos envolve, provocou a quebra da "re-ligação" com tudo e todos. O que nos corrói é a petrificação de nossa interioridade, a perda do gosto pela verdade, pelo bem, o extravio da ternura, o esvaziamento dos encontros. O que nos desumaniza e isola é a cultura da indiferença. Ela edifica a barreira instransponível entre nós e os outros. Aos poucos, nos recolhemos em nossos medos e começamos a acreditar que os diferentes são nossos inimigos. Da indiferença passamos às práticas fundamentalistas, à segregação. Nossa vocação é construir pontes e ser presença reconciliadora em situações de fronteira, colocando nossa energia, nossa formação, nossa vida a serviço para criar e sustentar os laços humanos, estruturas políticas e econômicas que tornem possível a solidariedade, o encontro entre todos os seres humanos e aponte para um mundo fraterno e justo.
(*) Padre jesuíta e mestre em Teologia.
Fonte: O Povo, de 3/11/2018. Opinião. p.16.

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