Por Sofia Lerche Vieira (*)
As últimas imagens de "Ainda estou
aqui" costumam se confundir com uma plateia comovida e silenciosa. A
experiência de ver o filme é única. A um só tempo, individual, coletiva e
reverente. O que desperta tal sentimento?
São muitas as razões para aplaudir o filme
de Walter Salles. O tema do trauma político nacional tem um sentido universal.
Rubens Paiva expressa um caso brasileiro de tortura e morte durante a ditadura.
Alexei Navalni, dissidente político russo, morto sob circunstâncias obscuras em
2024, foi reverenciado por mais de mil pessoas em 16 de fevereiro deste ano por
ocasião do aniversário de sua morte.
É oportuna a forma escolhida para abordar o
tema: a vida de uma família antes e depois da tragédia do assassinato de sua
principal figura. A reconstrução através de imagens de luz e alegria, sombra e
tristeza expressam um tratamento preciso de imagens onde se misturam flashbacks
e cenas do contexto político. Sobre dessas duas realidades, paira a busca
incessante da verdade que tem na figura de Eunice Paiva sua âncora. O drama
pessoal se mescla, assim, com o contexto político ditatorial, entrelaçando os diferentes
níveis de aproximação à realidade.
Outro destaque da obra é a economia de
gestos e a inexistência de recursos e efeitos apelativos visível na controlada
dor de Eunice e dos seus; nos gritos nos porões da ditadura; e, nos rastros de
sangue que se procura expurgar pela lavagem do chão. Imagens grotescas são
explícitas apenas nos personagens caricaturescos que levam Rubens Paiva preso
para nunca mais voltar. O entrelaçamento entre o dito e o não dito, resulta em
uma trama precisa, real e infinitamente triste.
A família, que não perde a capacidade
sorrir mesmo em meio a tal adversidade, é o grande esteio da sobrevivência e
superação. É exemplo de uma fé na vida que sequer os grilhões de uma ditadura
torturante podem conter.
Contrapondo-se aos avanços de um crescente
totalitarismo no Brasil e no mundo, a arte é a resposta singular de que, apesar
de tudo, como Eunice e sua família, ainda estamos aqui. Venham ou não os
Oscars, o filme já venceu!
(*) Professora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/02/25. Opinião. p.20.
Nenhum comentário:
Postar um comentário