O golpe da dentadura
Comício
era com ele. Qualidade de político que não pode ver microfone e o verbo flui
que é uma beleza; entre verdades e cavilações, deita e rola na boa vontade do
eleitor. Numa dessas campanhas, período eleitoral decisivo, saiu de barco, rio
abaixo, dirigindo-se à região amazônica comandada por um correligionário de
nome Chicão. Pequena embarcação lotada de santinhos e ele vontadoso de ser
sufragado, lá chegando à boquinha da noite. Povo já à espera do figurão à
margem do corrente, gritando-lhe o nome.
Em
breve tempo, tudo pronto pro início da "reunião pública ao ar livre"
programada há semanas. Sistema de som acoplado à embarcação. E era assim,
conforme relato do amigo Magno: candidato dirigir-se-ia ao povo do próprio
barco, palco adequado pra ocasião, tendo ao lado tão somente o Chicão. Público
feliz com a novidade, simpático ao que viria da boca do candidato. O
companheiro abre o evento, apresentando Dr. Zezinho do Igarapé, "nosso
representante na Assembleia. Só depende do nosso escrutínio".
Empolgado,
o cicerone faz movimentos bruscos que balançam horrores o palanque improvisado.
Daqui a pouco, ao rir desbragadamente das arrumações da liderança, a dentadura
superior de Dr. Zezinho é arremessada às águas do rio. Vexame medonho. A
palavra agora seria dele. Prótese no fundo do igarapé, o candidato, mão na
boca, fala de "trevessa", informando que não tem condição de se
pronunciar.
-
Dr. Zezinho, faça comigo não, o senhor me acaba. Chamei todo mundo aqui pra
ouvi-lo. E agora? - desespera-se o cabo eleitoral.
-
Dê um jeito! Sem dentadura, banguela, não darei um pio!
Chicão
tem ideia: chamar mergulhador e procurar, lá embaixo, os dentes postiços de Dr.
Zezinho. Conhecia o melhor - Mané Turiba.
-
Pelo amor de Deus, Mané, me salva! Encontra a dentadura desse homem - fala
Chicão, mostrando o lugar provável. - Se achar, te dou 300 contos.
-
Fechado, vou tentar!
Passados
três minutos, o mergulhador emerge, dizendo que estava bem difícil, água
escura, a profundidade. Chicão sobe 100 reais e pede que remergulhe. Nada. Mais
100 e o moço, pela terceira tibunga no rio. Nada de dentadura. Tempo passando,
noite correndo ligeira, público ansioso à espera da fala do candidato, morto de
vergonha.
-
Pelo amor de Deus, Mané, Dr. Zezinho precisa falar! Tente. Te dou... mil
reais!!!
-
Ah! Tá bom!
Eis
que o esforço sacrificoso - pela paga dos mil reais - foi recompensado. O
mergulhador volta do fundo do rio com a dentadura de Dr. Zezinho em mão,
entrega-a ao líder comunitário, recebe a grana e se manda. Correligionário bate
palmas; plateia, sem nada entender, bate palmas também. Dentadura com o dono.
Dirigindo-se ao microfone, bem escuro àquela hora, o candidato tenta
encaixá-la, mas...
-
A bicha não entra, Chicão. Já tentei dum lado, do outro... Dá na minha boca
não!
Virando
a cara pra trás, apruma a vista com a ajuda de uma lanterna e percebe não se
tratar da dentadura dele. Reclama-se a Chicão e um grito alucinante ganha a
Amazônia toda:
-
Mané Turiba, seu fí de rapariga!!!
PS.:
Por mil reais, Mané, o mergulhador, entregou a própria dentadura.
Bicho véi lesado ou véi
lesionado?
O
Poeta dos Cachorros Jair Moraes manda recado no zap, dizendo assim:
"TMatos, o meu vizinho Zé dos Anjos, bicho véi lesionado, foi pai tão
tarde que botou no único filho o nome de neto: José dos Anjos Neto".
Foi
mesmo, Jair?!?
Fonte: O POVO, de 28/02/2025. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário