Os 7 mil azares guardados num
espetinho de gato
O
amigo Mauro Costa, melhor que coração de frango assado na brasa do sol,
confabula-me uma de dar água na boca em quem aprecia - eu, por exemplo; em quem
não sabe o que é, o tonitruante "nãããã", ou, como se diz
shakespeareanamente, "whaaaaaat? Noooooo! This is disgusting!" Falo
do irresistível "espetinho de gato".
A
história começa quando um sobrinho da Renata, esposa do Mauro, veio de férias a
Fortaleza, faz tempo. Nascido e residente nos EUA (desse perito em defenestrar
o povo daqui sem dó nem piedade), o "young man" não falava uma só
palavra em português. Pela primeira vez viera conhecer a família brasileira.
Mauro levou o póbi pra tudo que era buraco, inclusive a jogos do Ceará. Adorou
o que viu. Voltando no ano seguinte à terrinha, trouxe a namorada, de nome
difícil de pronunciar; até de "dona talher chamaram ela, tão arigó que
era, tadinha". Choque cultural medonho.
Era
o Mauro direto acompanhando o casal. Certo dia, levou os dois a uma partida do
Vozão no PV. "Quando chegamos na pracinha em frente à entrada, pela
Marechal Deodoro, apliquei molecagem tipicamente nossa. Combinei com meu irmão
(fluente no inglês) e com o próprio sobrinho da Renata de frescar com a
americana".
Cerveja
em mão, Mauro, sem ver de quê, cara de senhor, mostrou o carrinho do Espetinho
da Tia, de quem era cliente no estádio há anos, e disse (traduzido pro inglês),
enquanto o irmão se deliciava com um de porco, ensaboado na farinha.
-
Sentindo esse cheirinho, minha bichinha?
-
What, dear?
-
Isso, ó! Precisa provar desse prato típico cearense, delícia da nossa cozinha!
-
What food is this, baby?
-
Espetinho de carne de gato!
A
"young woman", que sempre procurava agradar, esbugalhou os olhos,
botou as mãos nos peitos e disparou que aquilo era comida de fí duma égua.
Mauro ainda emendou, na hora, sério como um bacurim urinando:
-
Não se preocupe, querida! Esses aqui não são gatinhos de rua, mas felinos bem
criados em spa, alimentados no puro bat gut!
O
irmão de Mauro e o sobrinho de Renata, contendo o riso, comiam, enquanto a
americana morria de nojo.
-
Sustentamos a história até o jogo acabar; só contamos a presepada quando
voltamos pra casa. A moça passou o jogo com fome. Ainda bem que o Ceará
ganhou...
A Coelce do céu
Essa
outra é do amigo e parceiro musical "parodisíaco" Crisanto Gomes dos
Santos, meu otorrino. Tem uns anos já o ocorrido. Ele e o grande Gilberto
Fonteles, mais conhecido por "Jabuti", dos grandes talentos do violão
cearense, hoje residindo e labutando na Alemanha, saíram cidade afora a tocar e
a cantar música boa - do "Xote correntino", de Sá e Guarabira",
a "La bamba", do folclore mexicano. Mais uns cinco parceiros
acompanhavam a dupla nos vocais e na percussão.
Breu
da madrugada, ainda; esperança de um solzinho no horizonte, pois, distante.
Estão nalgum ponto boêmio da Beira-Mar. 3 da madrugada. Jabuti sai de onde se
abancara e, sério, violão em punho, aproxima-se de poste da Coelce. Aos pés do
poste, ante a luz bruxuleante derramada em derredor, desfechou pensamento que
me fez rever verdade:
-
Tem já tanta luz de dia, né? Na minha mente, o sol deveria aparecer era de
noite...
Fonte: O POVO, de 14/02/2025. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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