Por Heitor
Férrer (*)
A violência contra a vida tornou-se uma
tragédia nacional e, no Ceará, ela atinge proporções insuportáveis. Dentre as
27 unidades da federação, somos o 3° estado mais violento. Em 2023, foram 2.893
assassinatos; em 2024, o número saltou para 3.178 vidas ceifadas. Foram 264
mortes por mês. É como se, a cada mês, um avião lotado de cearenses caísse e
matasse todos os passageiros.
Quando a morte é coletiva, como num
desastre aéreo, o país se comove. O noticiário se ocupa por dias, autoridades
se pronunciam e o luto é nacional. Mas quando as mortes são individuais, uma
aqui, outra acolá, a indignação se dilui e a tragédia se banaliza. São nove
assassinatos por dia. Nove histórias interrompidas e ninguém se espanta. Tudo
vira rotina. Essa é a forma mais cruel da violência, a que elimina a vida. No
entanto, não é a única.
O Ceará convive com tantas outras
violências, silenciosas, persistentes e igualmente devastadoras, que corroem,
profundamente, a dignidade humana. Vejamos, por exemplo, a violência da saúde.
Mais de sessenta mil cearenses aguardam por uma cirurgia. Muitos morrem nessa
espera. É uma decretação de pena de morte oficial imposta pelo estado.
Existe também a violência da moradia. O déficit
habitacional no Ceará passa de duzentos mil domicílios; mais de um milhão e
meio de pessoas vivem em condições sub-humanas. Milhares sequer dispõem de um
banheiro. Homens, mulheres e crianças dividem, sem qualquer pudor, o que
deveria ser o último reduto da intimidade humana. É uma brutalidade animalesca.
No saneamento básico, a situação não é
menos vergonhosa. Apenas 30% dos lares cearenses tem esgotamento sanitário.
Sete em cada dez casas despejam seus dejetos a céu aberto. A violência social é
patente. Dos 9 milhões de cearenses, 4,5 milhões vivem em situação de pobreza e
876 mil, de miséria.
Com tamanha degradação, o que esperar dos
que emergem desse ambiente? Pessoas que crescem sem dignidade, que adoecem sem
assistência e que vivem sem o mínimo de salubridade tendem, inevitavelmente, a
reproduzir a violência que as cerca. É o ciclo perverso da exclusão. O Estado
fabrica violência e depois tenta contê-la pela força.
O episódio recente no Rio de Janeiro, onde
121 brasileiros, entre eles quatro policiais militares, foram mortos em uma
única operação, é o retrato mais doloroso desse colapso civilizatório.
No mundo ocidental, não há paralelo. Só
aqui a barbárie conseguiu naturalizar-se a ponto de parecer rotina. A violência
tem muitos prismas e todos refletem o mesmo abandono.
Enquanto continuarmos tratando o problema
como uma questão apenas de segurança pública, achando que é caso de polícia,
ignorando suas raízes sociais, seguiremos contabilizando mortos e justificando
o injustificável.
(*) Médico
e deputado estadual (Solidariedade).
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 14/11/2025.
Opinião. p.19.

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