sexta-feira, 12 de julho de 2019

ANSIEDADE X ASSÉDIO: Assombrações da Madame Bovary


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta

… Creio que cada mulher tem suas peculiaridades, singularidades. Mas a verdade é que, com ou sem elas, o resultado final da evolução tecnológica, científica, mudou-as, e com elas, a sociedade ficou, basicamente, irreconhecível, para alguém que tenha vivido 100 ou 200 anos. Como, então, viver com os mesmos valores, anseios, desejos, sonhos e fantasias, que se tornam assombração existencial para quem deseja manter o status quo, que em latim significa literalmente “estado atual”.

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Tenho observado nesses últimos meses um aumento de um assunto específico no noticiário nacional e na mídia mundial: um verdadeiro surto epidêmico de notícias de assedio às mulheres, sem falar nas reportagens e opiniões de intelectuais e pensadores que mantêm o assunto nas manchetes midiáticas. Devido a ter sido inicialmente matéria pouco propalada, envolvendo pessoas importantes no mundo dos negócios, empresários, políticos e, sobretudo do mundo das estrelas dos grandes shows da vida.
As mulheres agredidas, revoltadas pelos anos de silêncio que se infligiram (ou lhe impuseram), ou seja lá pelos mais diversos motivos, mostram-se revoltadas e denunciam um segredo de polichinelo, a necessidade de ceder ao assédio para subir na vida e embarcam com grande avidez vingativa contra quem os assediou.
Compreensivo que estejam revoltadas e que parte delas se tornem extremadas.
É sobre elas (as extremadas e as menos extremadas) que desejo dar um depoimento como médico Pediatra por muitos anos e exercendo, atualmente, a Psicoterapia.
Advirto.
Irei limitar-me à classe média urbana do Recife onde vivo e exerço minha profissão.  Acredito que a violência contra a mulher é assemelhada à relação escravo/senhor. Socorro-me da dialética Hegeliana [George Hegel (1770-1831)] e parafraseio esse filósofo alemão: o escravo um dia se liberta e fica livre, enquanto seu dono jamais se libertará, preso às amarras do sistema escravagista.
Vamos aos meus casos de ansiedade agora específicos das mulheres. Durante meu trabalho como Pediatra e Psicoterapeuta tive a oportunidade de observar mães, mulheres, nas mais diversas situações e agora as mais velhas (muito delas avós) e mulheres jovens no início da estrada (médicas, advogadas, engenheiras, etc.), vejo os medos que elas padecem em todas as idades.

… Julgava-se não ser digna da vida modesta e terminou dando nome ao distúrbio psicológico chamado bovarismo (Insatisfação romântica que consiste em querer evadir-se de sua condição, adotando uma personalidade idealizada que pensa ser)…

Não saberia/poderia afirmar que a maior incidência estatística dos casos de Ansiedade Generalizada ocorre com mais frequência nas pessoas de sexo feminino. Vendo, assistindo, aflições e angústias passei a pensar na Madame Bovary, nome da personagem do escritor francês Gustave Flaubert, romance publicado em 1857 e batizado com o nome da personagem.  O romance conta a história de uma mulher casada que se envolve com dois amantes, até que, afogada em dívidas, levando uma vida que não poderia levar, termina por se suicidar ingerindo arsênico. Julgava-se não ser digna da vida modesta e terminou dando nome ao distúrbio psicológico chamado bovarismo (Insatisfação romântica que consiste em querer evadir-se de sua condição, adotando uma personalidade idealizada que pensa ser).
A realidade da vida é bem diversa e agora, mais ainda, seja pelo consumismo, narcisismo, ou a pressa de viver e pensar que as coisas tombam do céu.
A frustração começa na juventude, mesmo antes do casamento e paro por aqui, agora. Pretendo voltar ao assunto quando tratar da ansiedade nos jovens, de ambos os sexos.
Solicito um resumo de como ficam, ao me deixar, quando as pacientes “se dão alta”, pois elas vão quando assim desejam.  Selecionei um desses resumos que reflete bem o espectro da Madame Bovary. Vamos ler o que diz:
“… Ainda persiste o “sonho” das mulheres, de poder realizarem-se na materialização de um casamento, uma aliança no dedo, o status quo de serem vistas como “mulheres casadas”, permeando a mente da maioria delas, inclusive as homoafetivas, sem, necessariamente, serem tão românticas quanto aquela personagem. No tocante a filhos, é que bate a ansiedade! Tê-los ou não os ter? Eis a questão!”
Pergunto-me, seria para se provarem férteis às outras mulheres, e unicamente por esse motivo, causar-lhes certa “invejinha”? Um rebento, talvez dois e, pronto. Chega, está de bom tamanho essa prole! Continuam inebriadas com a possibilidade de afirmarem-se como “mulheres parideiras” diante de seus/suas companheiros/as, com a fertilização/gestação.
No tocante à criação/educação dessa cria… é que, realmente, a porca torce o rabo! Não abdicam mais de seu lado de profissionais liberais, da independência financeira em qualquer área. Porém, não agir, lhes dá culpa, vivem mal e, projetam certa ansiedade na frustração de nunca exercerem a maternidade, nem ao menos uma, ou será que nem todas as mulheres nasceram para ser mães, unicamente?
Creio que cada mulher tem suas peculiaridades, singularidades. Mas a verdade é que, com ou sem elas, o resultado final da evolução tecnológica, científica, mudou-as, e com elas, a sociedade ficou, basicamente, irreconhecível, para alguém que tenha vivido 100 ou 200 anos. Como, então, viver com os mesmos valores, anseios, desejos, sonhos e fantasias, que se tornam assombração existencial para quem deseja manter o status quo, que em latim significa literalmente “estado atual”.
Devemos aproveitar o momento para recompor a intimidade das pessoas, não importa o sexo ou o gênero.  Escrevi este artigo após ler numa revista de circulação nacional “nas questões de gênero” uma alínea intitulada:
O Dia que Aprendi a Lutar Caratê, que prega a instauração de aulas de defesa pessoal feminina no currículo da pré-escola. Nada contra as artes militares. Mas tenho certeza de que o caminho não é por aí.
Concluo dizendo, cuidado, muito cuidado: foram as revelações do espectro de Hamlet que desencadearam a ação da tragédia.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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