terça-feira, 28 de abril de 2020

A CONTA DO NOSSO EGOÍSMO


Por Pedro Aihara (*)
No dia 22.03.20, no meio da pandemia, uma senhora, 90 anos, faleceu na Bélgica após ter recusado o ventilador mecânico. “Guarde para alguém mais jovem. Eu vivi uma boa vida”, disse.
O inimigo dessa vez é invisível e implacável: fez os líderes das grandes nações parecem crianças assustadas, fez o Papa sozinho, perdoar nossos pecados. Judeus e muçulmanos rezarem juntos.
Não se iluda. Cloroquina ou hidroxicloroquina não irão nos salvar dessa vez.
As nossas tradicionais armaduras falharam. De nada adiantou o poderio militar nuclear dos mísseis ou os inalcançáveis imóveis de luxo do Central Park:
o gramado agora está cheio de tendas de hospital de campanha. Nossos planos de saúde caros não foram suficientes para tirar o receio da falta de equipamentos de nossas cabeças e tampouco nossos celulares e televisões sofisticados foram capazes de entreter no meio dessa solidão sentida e vivenciada por todos.
Sentimo-nos amedrontados, perdidos, sozinhos.
E aí, diante de algo que não sabemos como nem quando vai acabar, fomos obrigados a ajoelhar.
E para ajoelhar, todos nós fomos obrigados a aprender que é necessário sair dos nossos tronos, das nossas bolhas, coberturas, das nossas realidades e aproximar a cabeça do chão, frágeis e despidos.
Quando a gente se abaixou, esbarramos as cabeças uns nos outros e o milagre começou a acontecer. Começamos a perceber que a doença que mata a minha mãe também mata a mãe de quem mora do outro lado do mundo.
Vimos que o mesmo problema que quebra o meu negócio desemprega o meu funcionário mais simples. Passamos a ver a importância de profissões que considerávamos pouco importantes ou dispensáveis.
Constatamos que o medicamento que me falta também faltará para quem mora na favela.
Sentimos que a mesma solidão que se abate sobre mim angustia o outro que tem nome, cor, origem e religião diferentes dos meus.
Despedaçados perante nossos medos mais ocultos, enfim fomos obrigados a admitir aquilo que já sabíamos mas não queríamos aceitar: somos todos iguais. No final das contas, após todo o dinheiro, todo o status, todos os privilégios, encolhemo-nos de medo das mesmas coisas e sentimos uma compaixão comum diante dos números que crescem, seja na Itália, EUA, ou na nossa cidade.
Se antes bastava se cercar no próprio feudo e a guerra não chegaria ali, agora, para funcionar pra mim, precisa funcionar pra todo mundo. Para que eu seja protegido, preciso proteger os outros. A conta do nosso egoísmo chegou, cara e sem desconto.
Mas com o milagre, percebemos que essa conta pode ser paga de outra forma. Dito e repetido, não são hidroxicloroquina ou cloroquina que encerrarão esses tempos obscuros. Já descobrimos a cura e ela se chama amor. Pode parecer piegas, não é mesmo? Mas a verdade é que chegamos no ponto decisivo, na curva da inflexão na qual ou mudamos a maneira de conviver enquanto sociedade ou estaremos sempre à mercê de nosso egoísmo disfarçado de vírus, guerras, crises econômicas ou governantes inescrupulosos.
Para muito além do desespero e caos que estafam a nossa mente, o Brasil que se apresenta agora é o Brasil dos profissionais de saúde exaustos que se revezam para salvar pessoas que nem conhecem. É o Brasil de empresários assumindo prejuízos para não demitir seus funcionários.
É o Brasil de pessoas parando atividades para garantir o bem-estar de outros. É o Brasil dos entregadores, caminhoneiros, garis e caixas de supermercados. É o Brasil de pessoas que doam o pouco que tem para que quem tem menos ainda possa ter algo.
É o país do amor ao próximo e de gente que se preocupa com gente, de forma real e além de discursos vazios e hipócritas.
Esse país de gente solidária, trabalhadora e resiliente pode afinal ser o gigante que acordou, ainda que tantos discursos e personagens irresponsáveis tentem macular nosso foco. A reflexão sobre qual lado da história iremos (e optaremos por) estar nunca foi tão necessária.
Tempos difíceis servem para algumas coisas, entre elas grandes aprendizados e reflexões incômodas. Quando aquela senhora heroína na Bélgica cedeu o equipamento, a afirmação dela pode e deve ser repetida aqui: “guarde para alguém mais jovem”...
E dessa vez, não é sobre o equipamento.
É sobre o legado e a história que estamos construindo nesse momento decisivo. É a hora de abaixarmos as nossas bandeiras ideológicas e substituí-las por empatia, bom-senso e álcool em gel. Fiquemos em casa e ajudemos uns aos outros, irrestritamente.
Construamos, unidos, nesse momento difícil, uma nação melhor e mais solidária, para que possamos deixar, após a crise, um país melhor “guardado para os mais jovens”. É essa a real cura para o temido vírus... 
QUEM ESCREVEU
(*) Pedro Aihara, bombeiro militar, mestre em Direitos Humanos, especialista em Gestão e Prevenção de desastres, professor e palestrante. Atuou em crises como as de Brumadinho, Mariana, Janaúba, entre outras.
Fonte: Internet (circulando por e-mail e i-phones). Com autoria atribuída a Pedro Aihara.

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