domingo, 12 de abril de 2020

QUARESMA E QUARENTENA


Por Pe. Eugênio Pacelli SJ (*)
De repente tudo mudou! Um vírus invisível colocou parte do mundo em isolamento. O vírus fez da quaresma uma quarentena. Tal realidade me fez lembrar a obra do português José Saramago: Ensaio sobre a cegueira, que retrata uma cidade inteira que fica cega e as pessoas ficam enclausuradas. Uma metáfora de uma sociedade que em momentos, de perigo e angústia, mostra suas luzes e escuridões. A pandemia mostra o pior e o melhor da sociedade.
Nem todos têm esse hábito de recolhimento e solidão. Mas, é necessário recuperar a sabedoria e o gosto de estar em casa consigo e com os outros. Cuidar do emocional, manter e alimentar a fé, olhar para dentro e corrigir atitudes, sentimentos e comportamentos. Em meio à rotina, manter a calma, pois o medo é mal mais terrível que a própria doença. Reencontrar o caminho para si mesmo é saudável.
Viver a Quaresma em quarentena dando oportunidade de repensar ações e modos de estar no mundo. Desintoxicar do ritmo frenético de atividades, da sede de produtividade e consumo. Gostar de estar consigo mesmo. Refazer laços e contatos, já esquecidos, conversas em família e a escuta atenta do outro.
Iluminar, olhar sob a ótica pela fé é acreditar que esta situação não encerra apenas temores, mas possibilidades singulares. Possibilidade de viver a pura alegria do dom e do agradecimento. Aprofundar e alimentar a fé na presença de Deus em "noites escuras", descobrindo suas pegadas nas vítimas desta pandemia, nos médicos e agentes de saúde que os atendem, nos cientistas que buscam vacinas antivírus, em todos os que nestes dias colaboram na solução do problema, nos que rezam pelos demais e espalham esperança. Deus necessita de cada um de nós, para se revelar, portanto, que nossa solidariedade seja mais forte que o egoísmo que, às vezes, nos habita. Na dor e na calamidade coletiva sentimos que somos menos desiguais do que pensamos. A pandemia não tem ideologia, raça, credo e sexo. Que nossa solidariedade seja mais contagiante que o vírus. Que as forças reconstrutoras, renováveis, resilientes que possuímos dentro de nós, em situações assim, desabrochem. 
 (*) Sacerdote jesuíta e mestre em Teologia.
Fonte: O Povo, 4 de abril de 2020. Opinião. p.12.

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