sábado, 11 de abril de 2020

PRAÇA VAZIA


Por Sofia Lerche Vieira (*)
De todos os ícones desse tempo de incertezas, um dos mais significativos é a imagem do papa Francisco, orando em solidão na praça São Pedro absolutamente vazia. Símbolo do sofrimento humano, a estátua de Jesus crucificado, cujos pés foram beijados pelo papa na cerimônia da benção Urbi et Orbi, parece ser, a um só tempo, síntese desse momento histórico e prenúncio do que há de vir.
A vida, tal como era antes, mudou. Depois da Covid-19, jamais será a mesma. Desde tempos imemoriais, a praça - esfera da vida pública a que os gregos denominaram ágora - era e continuava sendo até antes da pandemia, espaço de reunião, assembleia e congraçamento. Hoje, no mundo inteiro, as praças estão vazias. Há uma volta à casa - a que os mesmos gregos se referiam como oikos, a esfera da vida privada. Unidos por esse movimento, súbito e inesperado, homens e mulheres de todas as idades são tomados pela perplexidade e insegurança. O que fazer?
A doença, implacável, varre o planeta. Isolados uns dos outros, voluntariamente ou não, todos padecem. Eis que, em meio ao desespero da crise inesperada, as pessoas, em sua inesgotável capacidade de inventar e criar, estão descobrindo novas formas de exercer a sociabilidade e o espírito gregário próprio da condição humana. A internet e os recursos tecnológicos nunca foram tão utilizados. Concertos virtuais reúnem músicos que tocam de suas residências em diferentes partes do planeta. Vizinhos festejam aniversários de suas varandas. Do alto de edifícios surgem vozes de corais que surpreendem e encantam. Um toque de magia se insinua nas relações humanas. Saudades revisitadas. Carinhos aquecidos. Sem contar com um redespertar sem precedentes da solidariedade com o outro.
Quando as gerações futuras, sobreviventes do holocausto deflagrado pela pandemia, voltarem seu olhar sobre esse tempo, hão de perceber que, o sofrimento coletivo desencadeou grande aprendizagem sobre o essencial. O papa Francisco não estava só. A humanidade compreendeu que suas palavras traziam uma verdade indiscutível: a de que é preciso "fazer o bem, sem olhar a quem". 
(*) Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.
Fonte: Publicado In: O Povo, Opinião, de 6/4/20. p.16.

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