Entrevista conduzida por
Larissa Viegas, jornalista de O Povo.
José Lima de Carvalho
Rocha: o médico que se baseia na filosofia cristã e se encanta pelo poder da IA
O POVO - Professor,
pode começar nos contando como tudo começou, a criação do colégio, o objetivo
do seu pai, a entrada da sua mãe na instituição?
José Rocha - Em 1951, meu pai
iniciou a escola. Depois de alguns anos, a minha mãe começou a trabalhar na
escola também. Foi onde eles se conheceram, ele como diretor e ela como
professora.
Mas, antes disso, ele
já tinha estudado Teologia, Filosofia e recebeu solicitações para estabelecer
uma escola, em um bairro que estava começando aqui em Fortaleza, que depois
veio a se chamar Aldeota.
Foi quando começou a
funcionar a primeira sede do colégio Christus. Portanto, essa era a ideia
inicial, fortemente baseada em uma filosofia cristã.
OP - Vocês são 10
filhos. Como foi crescer com pais educadores? O senhor acha que eram valores
diferentes àquela época?
José - Eu acho que toda
família tem valores diferentes. Nenhuma família tem os mesmos valores umas das
outras. Os da minha eu conheço muito bem. Justamente aquilo que era ensinado e
praticado na escola também acontecia dentro de casa.
A história de temer a
Deus, de ler pelo menos uma vez por semana o Antigo Testamento, o Novo
Testamento, aulas de inglês ainda na primeira fase da nossa infância. Então,
não via muita diferença em termos de valores na escola e o que acontecia em
casa.
O diferente era ter
realmente mais nove irmãos, que aos poucos foram chegando. Muitas famílias só
tinham dois ou três filhos e a gente, por ser de uma família de 10, sempre
escutava: 'Vixe, é muita gente'. Então me acostumei e depois tirei vantagem
disso também.
OP - Como?
José - Por que não fazer
uma equipe? Um time de futebol não dava, porque são 10, não tinha os 11, mas
podíamos trabalhar juntos, podíamos enfrentar o mundo unidos. Uma das histórias
que eles sempre me contavam era do Antigo Testamento, que tinha um Zé que tinha
um bocado de irmão.
Depois ele me
estimulou a ler o livro de Thomas Mann, um alemão, sobre José e seus irmãos. Eu
digo: “Bom, ele já devia saber da minha vida, que eu não tinha vivido ainda!”.
Mas daí fui estudando, vendo aquilo e vi que uma equipe pode ter um resultado
muito melhor do que um trabalho individual.
Eu nunca acreditei em
um trabalho individual, mesmo quando isso ainda não era um lugar comum. Hoje
todo mundo sabe que precisa de uma equipe para trabalhar bem. Então, foi muito
bom aproveitar essa quantidade de irmãos. Às vezes, eu digo para a minha mãe,
mas ela fica meio chateada: “Mãe, era melhor se tivessem sido 20” (risos).
OP - O senhor pode
contar como foi a sua infância, como foi crescer com tantos irmãos próximos?
José - As famílias treinam
muito com o mais velho, erram mais com o velho. Então, eu senti que a forma
como me educaram foi um pouco diferente dos que vieram depois, treinaram
comigo, umas coisas deram certo, outras não.
E aí depois foi sendo
aperfeiçoado. Mas foi ótimo, uma casa muito animada. Sempre moramos em
Fortaleza, E naquela casa lá da (rua) Silva Paulet com (rua) Catão Mamede (onde
hoje é uma unidade do colégio).
Então, minha vida
toda foi lá. Minha mãe disse que o primeiro local que colocaram o berço foi
dentro de uma sala de aula. E de manhã tinha que tirar tudo. Mas dessa parte eu
não lembro (risos).
E depois foi crescer
com esses irmãos que, por sua vez, cada um de nós atraía primos e amigos.
Então, a casa esteve sempre muito cheia, muito animada, com muita gente. Então,
gostei muito da minha infância.
E acho que essa
interação com outros da minha idade ou mais novos do que eu me ajudou muito a
entender, a saber lidar com pessoas, a saber trabalhar em equipe.
OP - Seus pais
desejaram muito que vocês seguissem nesse ramo de educação ou foi algo muito
natural também?
José - Não! Tanto que eu
fiz Medicina, outro irmão meu fez Engenharia Mecânica, outro fez Engenharia
Civil… Quer dizer, fomos para diversas áreas do conhecimento.
O que surpreendeu foi
que meu pai passou por dificuldades econômicas na escola, por conta de
empréstimos que tinha feito para ampliar a escola, e daí ele não conseguia mais
pagar o que ele estava devendo.
Calculou de uma
maneira e os juros subiram. Isso no fim dos anos 1970. E aí a minha mãe chegou
e pediu ajuda. Ele não chegou para pedir ajuda.
Tanto que não pediu
para trabalhar na escola, pediu ajuda para salvar a escola. Na verdade, a gente
escutava na hora do almoço, na hora do jantar, as dificuldades que ele
enfrentava, que não conseguia superar.
Ele nunca escondeu
nada. A gente ia com ele pedir empréstimo ao banco, criança. E também dentro da
escola, a gente sabia tudo que acontecia, a gente era aluno, cada sala de aula,
cada série tinha um filho. Então, ficava fácil a gente saber tudo que acontecia
e quais eram os problemas que tinham.
Então, não foi um
estímulo. Ele nos orientava, nos capacitava para sermos adultos, profissionais
e responsáveis. Era essa conversa. A passagem foi mais por uma necessidade do
que por uma vocação.
Se você conversar com
qualquer um que terminou Medicina comigo, eles vão contar a mesma coisa. Que o
que eu queria era Medicina.
OP - Seu pai estudou
fora do País, na Universidade de Washington, o curso de teologia. Ele falava
muito sobre essa experiência?
José - Ele quase todo ano
ia lá, visitar os amigos. E depois alguns vinham sempre nos visitar. Até que
eles foram morrendo e na última reunião tinham só três. Aí disseram que não
fosse mais. O que deixou ele muito triste. E pouco tempo depois os outros
morreram também.
Ele manteve o
vínculo. É muito parecido com a minha história, porque eu deixei a Medicina,
mas ela nunca me deixou. Eu acho que foi muito parecido com a história dele,
com a vocação religiosa dele.
OP - Quando a
educação passou a ser vista como um legado pessoal e profissional dos seus
pais?
José - A gente aprendeu a
gostar da escola, que de qualquer forma fazia parte da nossa vida, por estar
vivendo nela, por estar lá o tempo todo. Então, a gente aprendeu a gostar e não
queria ver aquilo se acabar.
Porque ele chegou a
dizer assim: "Vou vender, vou alugar. Não aguento mais”, mas a gente ficou
esperando algo acontecer, porque ele não pediu ajuda.
Cada um já estava com
o seu caminho traçado nas diversas profissões. Eu já trabalhava com Medicina,
os dois logo depois de mim com construção civil.
E embora eu estivesse
estudando Medicina, a gente construía casa, vendia casa, e a gente já tinha
começado a formar um capital. Porque podia quebrar, então a gente tinha que ter
como sobreviver.
Mas aí quando ele
veio, chamei o pessoal e falei: “Vamos trabalhar juntos para recuperar”. E nós
temos uma regra de ouro: nunca tiramos alguém que trabalhe conosco para colocar
alguém da família. As pessoas não se sentem ameaçadas.
Esse sentido
profissional, de desenvolver bem o talento de cada um, não só da família como
os que não são da família, foi muito importante.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/05/2025. Reportagem. Legados.
p.13-15.