Quem veio primeiro, o ovo ou a cana?
Antônio Baixio, em viagem no "trem da
feira" que seguia até o Crato, encontrou o irmão Manelantônio na Pedra da
Estação de Ingazeira (município de Aurora). Havia, contados, trinta anos que os
dois não se cruzavam. Daqui a pouco em casa, eufórico, conta o ocorrido à
esposa Deusarina.
-
Pois não é que lá estava, na Pedra, o meu irmão Manelantônio, mulher! Depois de
tantos anos sem a gente se vermos!!!
- Que bom, homem! E o
que é que vocês conversaram? Vai, diz!
-
Nada não, Deusa! Parece que ele não me reconheceu... Não falou comigo... Aí eu
aproveitei e também não falei com ele.
Esse era o Antônio Baixio, tipo metódico, que não
se sentava na cadeira grande de balanço se a tivessem tirado do lugar, mesmo
que fosse um milímetro. E tinha a mania de dar cascudo (cocorote, croque) na
cabeça do filho Azulão - cascudo por cima do chapéu do menino. Motivo dos
cocorotes: o campina engaiolado no alpendre não cantar precisamente à cinco
horas e 11 minutos. Todo dia um cascudo. Azulão já não aguentava o campina
gorjear sempre às 5 horas e 12 minutos. Pois era cascudo grande na certa.
Resolveu vingar-se do pai. E não foi libertando o pássaro.
Certa madrugada, colocou uma pedra debaixo do
chapéu e aí já viu, né? Na hora do cascudo, naquele dia mais caprichado que
nunca, o campina sequer cantou...
-
Ai, fí duma égua!!!
Depois do episódio do cascudo malogrado no filho,
Mané Baixio decide despachar Azulão pra Fortaleza; a tiracolo, a irmã Lídia
Rute. Sob a desculpa de que iriam terminar o segundo grau e melhor se prepararem
para o vestibular. Ele, pra Engenharia; ela, pra Medicina. A menina até que
levava jeito; mas Azulão, talvez em homenagem aos cascudos que tomara, achou de
beber cachaça para além do exigido.
A mãe, coitada, todo mês mandava pelo motorista
da viação Pau D'Arco uma lata de leite ninho gigante entupida de ovos,
acomodados em farinha de mandioca. E um bilhetinho singelo, em que explicava:
"Seguem, além da saudade que é monstra, 40 ovos de
galinha do nosso terreiro. De vossa mãe Deusarina."
Quem ia apanhar a encomenda na Rodoviária era
Azulão, que, sedento por cachaça, logo parava no bar do Gildo, nas proximidades
do Terminal, sem um puto, e trocava os ovos por doses seguidas de Ypióca. O
bodegueiro estimulava a permuta:
- Uma cana, cinco ovo...
- Feito! - concordava Azulão, claro.
Ele então passava a rasurar o bilhete da mãe,
apagando com o dedo untado de cuspe. No lugar de 40, escrevia 35. E haja cana e
haja rasura: ao invés de 35 (entornara mais uma), 30. E daí por diante.
Engolira já a oitava naigada quando percebeu que o bilhete da mãe era um buraco
só. Foi quando redigiu nas bordas do que sobrou do recadinho materno: "Queridos, infelizmente, dessa vez, não segue nenhum ovo..."
Antônio Baixio sabia das arrumações de Azulão
nesses tempos de Fortaleza. Dera até ultimado para tomar jeito de gente. Com as
proximidades do vestibular, mandou ele um aviso: "Pai, eu mudei". Findo o
concurso, à espera dos resultados, viaja ao encontro da família, no interior.
Desembarca melado. Os amigos é que o rebocam até a casa. Lá chegando, Antônio
Baixio, olhando na cara lisa de Azulão...
-
Mudou, né?
- É, pai, eu mudei... Mas foi pra pior!!!
Fonte: O POVO, de 8/02/2019.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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