sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

AOS VIVOS: "Quem veio primeiro, o ovo ou a cana?" ... e outros causos


Quem veio primeiro, o ovo ou a cana?
Antônio Baixio, em viagem no "trem da feira" que seguia até o Crato, encontrou o irmão Manelantônio na Pedra da Estação de Ingazeira (município de Aurora). Havia, contados, trinta anos que os dois não se cruzavam. Daqui a pouco em casa, eufórico, conta o ocorrido à esposa Deusarina.
- Pois não é que lá estava, na Pedra, o meu irmão Manelantônio, mulher! Depois de tantos anos sem a gente se vermos!!!
- Que bom, homem! E o que é que vocês conversaram? Vai, diz!
- Nada não, Deusa! Parece que ele não me reconheceu... Não falou comigo... Aí eu aproveitei e também não falei com ele.
Esse era o Antônio Baixio, tipo metódico, que não se sentava na cadeira grande de balanço se a tivessem tirado do lugar, mesmo que fosse um milímetro. E tinha a mania de dar cascudo (cocorote, croque) na cabeça do filho Azulão - cascudo por cima do chapéu do menino. Motivo dos cocorotes: o campina engaiolado no alpendre não cantar precisamente à cinco horas e 11 minutos. Todo dia um cascudo. Azulão já não aguentava o campina gorjear sempre às 5 horas e 12 minutos. Pois era cascudo grande na certa. Resolveu vingar-se do pai. E não foi libertando o pássaro.
Certa madrugada, colocou uma pedra debaixo do chapéu e aí já viu, né? Na hora do cascudo, naquele dia mais caprichado que nunca, o campina sequer cantou...
- Ai, fí duma égua!!!
Depois do episódio do cascudo malogrado no filho, Mané Baixio decide despachar Azulão pra Fortaleza; a tiracolo, a irmã Lídia Rute. Sob a desculpa de que iriam terminar o segundo grau e melhor se prepararem para o vestibular. Ele, pra Engenharia; ela, pra Medicina. A menina até que levava jeito; mas Azulão, talvez em homenagem aos cascudos que tomara, achou de beber cachaça para além do exigido.
A mãe, coitada, todo mês mandava pelo motorista da viação Pau D'Arco uma lata de leite ninho gigante entupida de ovos, acomodados em farinha de mandioca. E um bilhetinho singelo, em que explicava: "Seguem, além da saudade que é monstra, 40 ovos de galinha do nosso terreiro. De vossa mãe Deusarina."
Quem ia apanhar a encomenda na Rodoviária era Azulão, que, sedento por cachaça, logo parava no bar do Gildo, nas proximidades do Terminal, sem um puto, e trocava os ovos por doses seguidas de Ypióca. O bodegueiro estimulava a permuta:
- Uma cana, cinco ovo...
- Feito! - concordava Azulão, claro.
Ele então passava a rasurar o bilhete da mãe, apagando com o dedo untado de cuspe. No lugar de 40, escrevia 35. E haja cana e haja rasura: ao invés de 35 (entornara mais uma), 30. E daí por diante. Engolira já a oitava naigada quando percebeu que o bilhete da mãe era um buraco só. Foi quando redigiu nas bordas do que sobrou do recadinho materno: "Queridos, infelizmente, dessa vez, não segue nenhum ovo..."
Antônio Baixio sabia das arrumações de Azulão nesses tempos de Fortaleza. Dera até ultimado para tomar jeito de gente. Com as proximidades do vestibular, mandou ele um aviso: "Pai, eu mudei". Findo o concurso, à espera dos resultados, viaja ao encontro da família, no interior. Desembarca melado. Os amigos é que o rebocam até a casa. Lá chegando, Antônio Baixio, olhando na cara lisa de Azulão...
- Mudou, né?
- É, pai, eu mudei... Mas foi pra pior!!!
Fonte: O POVO, de 8/02/2019. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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