quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

ERA UMA VEZ...

Por Patrícia Soares de Sá Cavalcante (*)

Assisti, em outubro, no Cineteatro São Luiz, à peça "Ficções", com a atuação magistral da atriz Vera Holtz, inspirada no best-seller "Sapiens", de Yuval Harari. O livro faz uma análise da história da humanidade, desde o surgimento da nossa espécie até a atualidade. Na peça, foi feito um recorte abordando, especialmente, a seguinte questão: a fantástica capacidade que o homem tem de criar e de crer coletivamente é o que nos diferencia dos outros animais. Somos capazes de inventar histórias.

Nossa espécie apresenta algumas características singulares, como um cérebro extraordinariamente grande e o andar ereto sobre duas pernas. O fato de sermos bípedes exige quadris mais estreitos, impossibilitando o nascimento de um bebê humano com o cérebro completamente formado. Portanto, nascemos "prematuramente". Somos os mais frágeis dentre todos os filhotes dos animais e dependemos de cuidados extremos de terceiros por muitos anos. "Um gatinho, em poucas semanas de vida, consegue buscar alimento sozinho, porém, para criar um ser humano, é necessária uma tribo inteira".

O nosso crescimento lento, apoiado no amparo da família e da comunidade, contribui significativamente para o desenvolvimento de competências essenciais, como a capacidade de estabelecer laços sociais fortes, o raciocínio abstrato e a habilidade de comunicar ideias complexas. Logo, a fragilidade inicial e o recebimento de um cuidado consistente e prolongado são fundamentais para que nos tornemos humanos.

Atualmente, em que tribo vivemos? A vida em comunidade entrou em decadência, os núcleos familiares estão cada vez menores e vulneráveis e as relações modernas, em sua maior parte, são efêmeras. Além disso, em tempos de avanços tecnológicos sem precedentes, paradoxalmente, estamos nos tornando menos inteligentes e mais solitários.

Qual é o grande companheiro de todos nós nos dias de hoje? Para onde uma mãe que amamenta está olhando? Como "adultos imaturos", sem vínculos sociais sólidos, estão amparando os seus "filhotes prematuros"? Com a inteligência reduzida, como ficará a nossa capacidade imaginativa?

Quais narrativas seremos capazes de criar?

(*) Médica psiquiatra.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 5/10/2024. Opinião. p.18.


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