Por Patrícia Soares de Sá Cavalcante (*)
Assisti, em outubro, no Cineteatro São
Luiz, à peça "Ficções", com a atuação magistral da atriz Vera Holtz,
inspirada no best-seller "Sapiens", de Yuval Harari. O livro faz uma
análise da história da humanidade, desde o surgimento da nossa espécie até a
atualidade. Na peça, foi feito um recorte abordando, especialmente, a seguinte
questão: a fantástica capacidade que o homem tem de criar e de crer
coletivamente é o que nos diferencia dos outros animais. Somos capazes de
inventar histórias.
Nossa espécie apresenta algumas
características singulares, como um cérebro extraordinariamente grande e o
andar ereto sobre duas pernas. O fato de sermos bípedes exige quadris mais
estreitos, impossibilitando o nascimento de um bebê humano com o cérebro
completamente formado. Portanto, nascemos "prematuramente". Somos os
mais frágeis dentre todos os filhotes dos animais e dependemos de cuidados
extremos de terceiros por muitos anos. "Um gatinho, em poucas semanas de
vida, consegue buscar alimento sozinho, porém, para criar um ser humano, é
necessária uma tribo inteira".
O nosso crescimento lento, apoiado no
amparo da família e da comunidade, contribui significativamente para o
desenvolvimento de competências essenciais, como a capacidade de estabelecer
laços sociais fortes, o raciocínio abstrato e a habilidade de comunicar ideias
complexas. Logo, a fragilidade inicial e o recebimento de um cuidado
consistente e prolongado são fundamentais para que nos tornemos humanos.
Atualmente, em que tribo vivemos? A vida em
comunidade entrou em decadência, os núcleos familiares estão cada vez menores e
vulneráveis e as relações modernas, em sua maior parte, são efêmeras. Além
disso, em tempos de avanços tecnológicos sem precedentes, paradoxalmente,
estamos nos tornando menos inteligentes e mais solitários.
Qual é o grande companheiro de todos nós
nos dias de hoje? Para onde uma mãe que amamenta está olhando? Como
"adultos imaturos", sem vínculos sociais sólidos, estão amparando os
seus "filhotes prematuros"? Com a inteligência reduzida, como ficará
a nossa capacidade imaginativa?
Quais narrativas seremos capazes de criar?
(*) Médica
psiquiatra.
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 5/10/2024.
Opinião. p.18.
Nenhum comentário:
Postar um comentário