"A casa sem um papagaio é
uma panelada sem tripa"
Carinho,
cuidado, admiração. Seria mesmo amor o que Dalvinha sentia por Amarildo? Tudo
de melhor guardava pro namorado, nas visitas diárias dele à sua casa, de muita
gente por lá. Dindin de coco era somente pro queridinho; se o almoço de galinha
fosse, coração, fígado e moela pro Amarildo. O copo da água, único sem logo de
requeijão, o de "Mamá". Em verdade "uma obsessão", diria a
mãe de Dalvinha, o sentimento da filha.
A
prova da cisma obsedante veio com o mamão (fruta preferida dele) que Dalva
Lúcia comprou pra vitamina do sujeito no domingo após a missa. Ocorre que o
moço viajou urgente a trabalho, já no sábado. Dois meses fora. Temerosa de que,
guardada na geladeira alguém comesse uma "taiadinha", Dalvinha
guardou a fruta enrolada em lençol de cambraia na primeira gaveta do
guarda-roupas, ao lado dos perfumes. E lá ficou o mamão por 60 dias.
Sem
preocupações com o tempo e seus micróbios vorazes, a fruta apodreceu até
um Paco Rabbane Invictus.
Importa a mensagem!
O
amigo Marcos lembrou-me de episódio protagonizado pelo pai em que, acompanhado
de grande amigo, cedo do dia, no Mucuripe de 70 anos atrás, dirigiu-se à
vendinha de dona Raimunda e pediu cafezinho simples. A pouco instruída, mas
espirituosa e desabrida senhora, trouxe-lhe xícara com "um café de
ontem". O genitor de Marcos nem deu o primeiro gole e já explodiu:
-
Diabo de café é esse, Raimunda?!?
-
Que foi?
-
Três Fs, o teu café: frio, fraco e fedorento!
Isto
dito, freguês se manda. Mas, nem bem alcançou a porta de saída e Raimunda dá o
troco:
-
Vai-te embora, véi 3M!!!
-
Três eme?
-
Corno, fí duma égua e caba sem vergonha!
Uma nova dor de cabeça
7
da manhã do domingo e Jair Moraes me telefona, lamentando-se de dor medonha.
"E é grande demais, noite acordado, sei nem se vou sobreviver. Fastio,
bambo das pernas, escurecimento da vista e remela nos olhos". Sem perceber
qualquer sinal de falta de ar ou fala trôpega, imaginei problema neurológico. E
nada de náusea, de vômito enquanto conversávamos.
-
Me ajude, amigo! Desde as duas da manhã com essa dor! Socorro!
-
Poeta, ao menos me diga onde está localizada a sua dor?
-
Na cabeça do dedo!
E
desligou o celular.
Um filósofo de morte
Parece
um dotô quando chega nos cantos. Metido a não sei o quê, não pode ver um
microfone, puxa o aparelho e dispara filosofias a esmo, do nada. Foi exatamente
assim que Chico de Quinquinha fez no velório de seu sócio na empresa de velas,
o bondoso Deoclécio, morto dum "caroço no imbigo".
-
Engraçado, viúva Ana, amigos e familiares, como a morte acaba com as nossas
vidas!
Como
ninguém reparou na besteira pronunciada, prosseguiu, crente que agora ia
abafar:
-
Se a palavra é a continuação de nós mesmos, no princípio foi o verbo; aí veio o
homem e tornou ele transitivo direto e indireto. Oxalá intransitivo!
Mirando
agora o defunto, para ao menos ter a atenção do de cujus,
confidenciou rente ao caixão:
-
Não é o seu caso, querido Deoclécio! Entenda! Mas, acredito que 24 horas após a
minha morte, nem o coveiro irá se lembrar de mim. E olhe que ele é meu chapa!
Fonte: O POVO, de 1/11/2024. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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