sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Crônica: “A casa sem um papagaio é uma panelada sem tripa” ... e outros causos

"A casa sem um papagaio é uma panelada sem tripa"

Carinho, cuidado, admiração. Seria mesmo amor o que Dalvinha sentia por Amarildo? Tudo de melhor guardava pro namorado, nas visitas diárias dele à sua casa, de muita gente por lá. Dindin de coco era somente pro queridinho; se o almoço de galinha fosse, coração, fígado e moela pro Amarildo. O copo da água, único sem logo de requeijão, o de "Mamá". Em verdade "uma obsessão", diria a mãe de Dalvinha, o sentimento da filha.

A prova da cisma obsedante veio com o mamão (fruta preferida dele) que Dalva Lúcia comprou pra vitamina do sujeito no domingo após a missa. Ocorre que o moço viajou urgente a trabalho, já no sábado. Dois meses fora. Temerosa de que, guardada na geladeira alguém comesse uma "taiadinha", Dalvinha guardou a fruta enrolada em lençol de cambraia na primeira gaveta do guarda-roupas, ao lado dos perfumes. E lá ficou o mamão por 60 dias.

Sem preocupações com o tempo e seus micróbios vorazes, a fruta apodreceu até um Paco Rabbane Invictus.

Importa a mensagem!

O amigo Marcos lembrou-me de episódio protagonizado pelo pai em que, acompanhado de grande amigo, cedo do dia, no Mucuripe de 70 anos atrás, dirigiu-se à vendinha de dona Raimunda e pediu cafezinho simples. A pouco instruída, mas espirituosa e desabrida senhora, trouxe-lhe xícara com "um café de ontem". O genitor de Marcos nem deu o primeiro gole e já explodiu:

- Diabo de café é esse, Raimunda?!?

- Que foi?

- Três Fs, o teu café: frio, fraco e fedorento!

Isto dito, freguês se manda. Mas, nem bem alcançou a porta de saída e Raimunda dá o troco:

- Vai-te embora, véi 3M!!!

- Três eme?

- Corno, fí duma égua e caba sem vergonha!

Uma nova dor de cabeça

7 da manhã do domingo e Jair Moraes me telefona, lamentando-se de dor medonha. "E é grande demais, noite acordado, sei nem se vou sobreviver. Fastio, bambo das pernas, escurecimento da vista e remela nos olhos". Sem perceber qualquer sinal de falta de ar ou fala trôpega, imaginei problema neurológico. E nada de náusea, de vômito enquanto conversávamos.

- Me ajude, amigo! Desde as duas da manhã com essa dor! Socorro!

- Poeta, ao menos me diga onde está localizada a sua dor?

- Na cabeça do dedo!

E desligou o celular.

Um filósofo de morte

Parece um dotô quando chega nos cantos. Metido a não sei o quê, não pode ver um microfone, puxa o aparelho e dispara filosofias a esmo, do nada. Foi exatamente assim que Chico de Quinquinha fez no velório de seu sócio na empresa de velas, o bondoso Deoclécio, morto dum "caroço no imbigo".

- Engraçado, viúva Ana, amigos e familiares, como a morte acaba com as nossas vidas!

Como ninguém reparou na besteira pronunciada, prosseguiu, crente que agora ia abafar:

- Se a palavra é a continuação de nós mesmos, no princípio foi o verbo; aí veio o homem e tornou ele transitivo direto e indireto. Oxalá intransitivo!

Mirando agora o defunto, para ao menos ter a atenção do de cujus, confidenciou rente ao caixão:

- Não é o seu caso, querido Deoclécio! Entenda! Mas, acredito que 24 horas após a minha morte, nem o coveiro irá se lembrar de mim. E olhe que ele é meu chapa!

Fonte: O POVO, de 1/11/2024. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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